terça-feira, dezembro 23, 2008

Resumindo.

Ok, já se passaram dois meses sem posts, mas muita água passou por debaixo desta ponte.

Voltei para casa, após um vôo longo de Milão/SP, a coisa mais nutritiva que comi à bordo foi um garfo plástico - incômodo, ansiedade inevitável de ver pessoas, entrosar e voltar ao mundo real fora de quatro paredes metálicas.
Á parte de meu amigo Trovão, que foi me buscar no aeroporto, ninguém foi me buscar (minha família não foi por orientação minha) e fiquei aliviado por isso pois fazer as pessoas esperarem é terrível, vôo atrasa, malas (as minhas para variar são sempre a últimas da esteira) ninguém merece, os meses seguintes eu passei matando as saudades dos amigos, família e minha conturbada relação com o mercado de trabalho brasileiro em cujo relacionamento consiste em tentar entrar e não conseguir (e ponto). Estava resignado a voltar para o navio e me conformar com mais alguns anos de senzala flutuante, afinal essa é uma carreira e para quem não tinha nenhuma é o que vale nesses momentos delicados da vida.

Resolvi tentar outra companhia de cruzeiros em busca de mais dinheiro - dsecobri que a vida a bordo é igual em todas as companhias e a maioria é um pouco pior do que a atual em termos de trabalho, mas mesmo assim, preciso ganhar a vida como qualquer pessoa que se preze, e como qualquer pessoa decente que se preze em momentos como este resolvi apunhalar meus empregadores em busca de grana : mandei CV para a Royal Caribbean e eles me convocaram para uma entrevista (da qual passei) e depois para uma segunda para acertar detalhes que solicitei, cargo maior assim como o salário.
Como esse emprego não iria acrescentar muito à minha técnica, vamos atrás da grana...

Nos dias ociosos, fiquei na frente do micro mandando CVs para todos os restaurantes de São paulo que gostaria de trabalhar, fui até atrevido dada as proporções que estava almejando, quero trabalhar para os melhores. Um dia antes da segunda entrevista, meu celular toca, era um restaurante famoso de São Paulo me chamando para uma entrevista, o sonho de qualquer aspirante a chef (não vou revelar por razões éticas) marcando entrevista para o dia seguinte. Fiquei excitado, nervoso, me preparando para o pior afinal, aqueles caras eram feras, eles são bons, eles aparecem na Tevê e eu... ...eu sou eu, aquele eu que está acostumado a sofrer.
Cheguei à entrevista uma pilha, ponho jeans ou calça social ? Cabelo em pé ou penteado ? O que esses caras levariam em consideração ? O emprego era para um novo restaurante do grupo - estou embasbacado e sem palavras. O chef me recebeu, falou montes de coisas que deseja de um funcionário e minha falta de atuação em várias praças ainda é evidente, mas ele viu alguma coisa em mim - deve ter sido minha cara de "espero pelo pior, já vi o pior" que diz quem aguenta choques sem reclamar; somos uma classe resignada e obediente.
Antes que batesse as pestanas estava contratado e com uma lista de documentos a trazer nas mãos - andei meio cambaleante até o carro, entrei e antes de dar a partida agarrei o volante com as duas mãos e gargalhava alto no auge de uma barato indescrítivel, a sensação de que fui aceito pelo meu país, pelos chefs (que não são brasileiros, vá lá) ,mas pela afirmação de que as pedras que empilhei (e foram pesadas) estão finalmente cosntruindo um castelo (e rezo para que nenhuma role de volta para me atingir a cabeça)...
Arrumei um apartamento por perto, me mudei em menos de uma semana e estou aprendendo pracas com o chef executivo (o cara já é meu ídolo), nunca vi um chef ser inteligente, rigoroso e considerado ao mesmo tempo como ele, é o tipo de cara que é respeitado ao invés de temido, alguém em que pode-se espelhar.
Agora, pretendo dedicar mais este blog à culinária e como ela é intrínseca com os fatos da vida, preciso evitar falar sobre nosso dia-a-dia pois não quero fazer nada que arrisque este emprego ou minha reputação dentro dele. Espero que compreendam, mas situações inusitadas sempre estarão presentes em minha vida e espero poder divertir meus amigos leitores no caminho.

Vou rebatizar o blog, alguma idéia ? estou precisando de um nome permanente...

quarta-feira, outubro 29, 2008

Reta Final.

Bem, faz tanto tempo que nao escrevo que nem sei onde parei, para variar.

Barcelona foi um sonho, o que dizer deaquele lugar ? Dominei as ruas, bairros, mercados, vi quase tudo que havia para se ver na cidade, sai a noite e voltei as sete da manha para o hotel direto para o cafe da manha, que sensacao incrivel de liberdade - voces nao imaginam o quanto esperei para isso...
Depois de Barcelona, Paris, imaginem um lugar... ...grande, Paris eh grande em todos os sentidos e tudo parece grandioso em Paris, os Palacios, os monumentos, as estatuas, as igrejas, tudo enaltece a grande experiencia que deve ser ser frances (em minha proxima vida quero ser frances) e nao estamos citando Napoleao ainda...
A torre Eifell eh muito maior do que esperava, mesmo sabendo as dimensoes ainda me surpreendi ao ve-la ao vivo e acreditem, parece um exagero como tudo na Franca.
Ao andar pelas ruas pela primeira vez, tive a mesma sensacao que tenho cada vez que abro uma revista de moda : a sensacao de que sou feio, barbaro ate, comparado as pessoas bonitas e bem-vestidas de Paris (nao da Franca, Marseilhe nao se assemelha tanto) me senti um orangotango feio e mal-cheiroso se comparado aos Parisienses - tive uma experiencia mal-sucedida com a comida em primeira instancia mas pude apreciar um pouco da culinaria francesa e ir ao supermercado na franca eh por si so, uma aula de culinaria tanto nos temperos quanto nas mercadorias, a variedade de tudo eh surpreendente e cada vez mais acredito que para ser um chef de respeito, eh preciso morar na Franca por pelo menos um ano.
Amsterdam comecou com chuva e frio, um hotel vagabundo e uma noite maravilhosa - Amsterdam eh a disneylandia para adultos - tudo que os outros paises escondem debaixo do tapete, Amsterdam faz questao de mostrar e mais, faz disso seu diferencial. O distrito da luz vermelha com suas vitrines (com o melhor e o pior do mercado), a venda de maconha, haxixe e o que mais possa ser enrolado e fumado nos bares, a liberdade de escolha das pessoas faz do lugar ate um paradoxo de si mesmo e um ponto de reflexao a todo o resto do mundo, como seriamos se fossemos todos livres ? Segundo Amsterdam, nem sinal de caos.
Comprei o basico misturado com tabaco, fumei em um bar - escolhi de um cardapio (?) dentro do Bulldog bar e sentei-me do lado de fora juntando-me aos turistas, os casais de meia idade e ate os Avos que estavam fumando seu baseado na mais pura paz e tranquilidade do mundo... ...ao meu lado, estava um casal de mais ou menos sessenta anos que dividia seu baseado muito romanticamente. Claro que meia hora depois estava transtornado, ria sem parar e devorei um Burger King package em segundos antes de pegar o Tram de volta para o hotel antes da meia-noite (acreditem, a ultima coisa que eu precisava era de uma noitada).
O cansaco do navio ainda esta pegando, ainda tenho dores nas costas e sinto-me abatido do nada, as vezes atacado por uma onda de sono ou simplesmente meu corpo recusa-se a responder a minha excitacao. Fui avisado que isso iria acontecer por umas duas semanas pelo menos.
Londres eh um choque.
Para nos paulistanos, fica dificil se ver e estar em uma cidade maior que Sao Paulo e nossa arrogancia nao fica tao evidente ate que estejamos em Londres ou Nova York - a loucura de ruas entupidas de gente, caos no metro, gente por todos os lados... ...Londres eh cara, e assim como a Franca, ostenta os sinais de grandeza de um ex-pais mais rico do mundo com seus castelos, parlamentos e igrejas interminaveis, Soho eh bem legal, Museu Madame Tusseau (nao lembro se escreve-se assim) e suas lojas elegantes, a Harrods (carissima) eh um tapa na cara da classe media com seus andares lindissimos, precos exorbitantes e uma estatua de Dodi & Diana de gosto extremamente duvidoso (inocentes vitimas, diz a inscricao logo abaixo da imagem de Dodi e Diana flutuando com passaros) que me deu arrepios. A parte culinaria da Harrods eh de enlouquecer, pecas de carne quase pornograficas, vinda de diversas partes da Europa, Charcuterie entao... ...o bar de caviar e champagne te poem em seu devido lugar, principalmente quando cobram £ 45,00 por uma entrada apenas composta de 6 ostras rockfeller. Vi camisetas de £ 150.00, o que para se ter uma ideia em reais, basta multiplicar por 5.
Amanha, pego meu voo para Barcelona, e depois Brasil.
Nao sei se estou pronto para o Brasil; o sonho da Europa ainda esta em minha cabeca, talvez nao devesse voltar, mas se nasce eu um pais por alguma razao talvez.
Nao sei o que o Brasil tem a me oferecer, e tenho medo do que talvez tenha a oferecer, talvez eu nasci para rodar o mundo, nao sei.

So sei que por agora, estou feliz de passar um tempo no Brasil, seja la quanto for.

sábado, outubro 11, 2008

sexta-feira, outubro 03, 2008

Ultimo Cruzeiro

Bem, cheguei la.

Estou em meu ultimo cruzeiro, cansado, humilhado, pisoteado, mas como todo bom bambu, eu envergo mas nao quebro.
Ultimo cruzeiro, dia de embarcacao de novos passageiros em Veneza, comecei as onze da manha no buffet de recepcao no carving (eu corto uma peca gargantuesca de carne na frente dos passageiros ultra-excitados apos longos voos para a Europa) e temos o habitual "Bem-vindo a bordo, madame" com sorrisos amarelos e gestos ultra cordiais que me dao enjoos, particularmente eu nao tenho mais paciencia e logo pergunto se a criatura quer ou nao a merda da carne, coberta com a droga do molho ou nao e despacho a vitima para o setor de saladas sem nem me incomodar - enfim, estou na frente de um desses americanos de classe media salivando pela grotesca perna de boi e tentando cortar a crosta do primeiro pedaco (que sendo a ponta, fica dura) mas a faca disponivel esta SEMPRE cega, imprestavel, por mais que eu tente avisar todas as vezes a maldita companhia nao troca nossas facas. Enfim, entre uma tentativa e outra, o cansaco, a falta de cuidado, a faca que aparentemente nao cortava a carne (e nao cortou) deslizou diretamente em meu dedo indicador esquerdo que segurava o garfao de churrasco, a faca que nao funcionava bem com a carne pareceu ser bem eficiente em meu dedo, bem na base, aquela parte gordinha do dedo onde temos pelos, disfarcei mas senti que era um pouco serio quando vi o sangue jorrando por dentro da luva de latex, esguichos pequenos porem vermelho-vivo atraves do latex transparente.
A companhia tem regras contra sprays de sangue nos passageiros. Pena.
Mantive a mao abaixada, chamei o cara que corta o peru, pedi-lhe gentilmente que cuidasse daquilo e voltaria em cinco minutos; entrei na cozinha e dei de cara com o chefe jamaicano que agora estava mudando de cor (negro para palido-branco) enquanto eu punha a luva cheia de sangue no lixo e amaldicoava a faca, a vida, os passageiros e o que mais passasse pela minha cabeca, peguei umas toalhas de papel e tentei estancar o sangue para nao passar sangrando litros pela area de hotel ate o centro medico quando, Chef Cris entra para saber o que estava acontecendo mas a reacao foi ainda pior : ele entrou em panico, mandava eu me sentar (retruquei que nao haviam cadeiras ali) e de repente ele estava no telefone.
Quando ele desligou, ouvi em todos os alto-falantes do navio "CODE MIKE" dando a localizacao da cozinha, eu so tive tempo de dizer "DUDE, NOOOOOOOOOOO..." e a merda estava feita, todas as pessoas do navio estariam ali em segundos, General manager, medico, a equipe medica inteira (da qual ironicamente faco parte) e tudo que encontraram foi um cara segurando o dedo com toalhas de papel - no minimo embaracoso.
Depois da multidao dispersar, desci ate o medico, tomei cinco pontos no dedo e voltei a trabalhar, pensar que eu achei que seria mais facil, mas se tratando de minha persona, sem surpresas.
Todo este ultimo cruzeiro tem sido um desastre, me mudaram de estacao de trabalho na qual trabalho quase nada porem, odeio algumas pessoas que trabalham comigo agora e acontece de serem os chefes da secao, por pura ironia do destino.
Bem, faltam cinco dias para o meu mundo voltar a ser real, se bem que comecarei meu mundo real na surreal Barcelona, dream-like start.
Nao sei quando vou postar agora, se conseguir, conto mais.
Estou meio aterrorizado com a vida real, voltar ao mundo encarar desemprego, falta de perspectivas, pessoas, situacoes, dinheiro (a falta dele) e estou meio que em um surto psicotico. Mas, parte de mim esta feliz, pelo menos a maior parte.

domingo, setembro 21, 2008

Destruicao

Faltam 18 dias para acabar.

Comecei uma insensata auto-destruicao sem sentido, festando como um ator porno no auge, dormindo tres horas por noite e trabalhando feito um zumbi - minha mente esta descompensando seria ou simplesmente nao posso mais me incomodar ?
Desembarco em Barcelona e ficarei alguns dias antes de seguir viagem pela Europa em busca de descanso, comida e redencao para minha perturbada alma que anseia por vida mundana, quero estar em bares, restaurantes, procurar as melhores comidas locais de rua, me aventurar pela Europa em minhas roupas normais e me sentir normal para variar.
As ultimas semanas tem sido irritantes um pouco (irritadas seria mais apropriado) pois tudo me incomoda e discuto por pouco com as pessoas e em certos dias eu me acho um cuzao de primeira categoria, outro dia parei para pensar como enfrentei um chef alemao de quase dois metros de altura/largura sem realizar que ele poderia esmagar minha cabeca como um melao podre entre suas poderosas maos; ele foi realmente clemente comigo, no lugar dele eu teria pego uma faca e torcido em minha garganta.
Tenho dormido todas as tardes pois nao saio mais nos portos (nao tenho energia) e ando irresponsavel e destrutivo em relacao as relacoes, digamos assim, quando voce para de se importar com as pessoas coisas ruins tendem a acontecer e esse sinceramente nao sou eu, ou nao era, pois tudo dentro do navio nao corresponde exatamente ao que poderia ser em terra, apenas uma coisa nao muda : carater, se voce nao tem carater, nao sobrevive dois meses aqui dentro pois eh impossivel enganar tantas pessoas por tanto tempo.
Diariamente as pessoas me perguntam quantos dias faltam so para me ouvir gritando "dezoito !!", ao passo que eu peco para me perguntarem de novo (outro dia gritei vinte e tres umas vinte vezes, todos adoravam ver minha cara de alegria).
Meu Chef de Partie atual eh um cara que tem muita paciencia, pois ter um assistente que nao liga para muito (mas trabalha, isso sim) e as vezes chega atrasado mesmo morando na merda do emprego requer muito mais que diplomacia, requer divindade.
Meus olhos tem agora largos aneis azuis-arroxeados,minhas maos uma multitude de micro-pequenos cortes que ardem a qualquer contato com temperos e limao, minha expressao eh um misto de alegria e dor, o trabalho na cozinha eh um palacio da dor pois nos cortamos, queimamos, temos musculos estirados por carregar muitas caixas e pes que botariam para correr uma pedicure de presidio tatuada. Minhas pernas entao, melhor nem comentar, basta olhar para mim me movimentando de longe e assumir que tenho oitenta anos de idade (apos isto, duvido que chegue la).
Hoje temos uma festa na area de provisoes (que costuma ser um sucesso entre a tripulacao) e cogito nao chegar nem perto do lugar, vou dar o meu melhor para isso.
Claro que nao vou conseguir.
Mas quero tentar assim mesmo.

O fim nunca chega, e quando chegar ainda tem o "e agora ?"...
...parece que o teatro da dor nunca tem fim, Droga.

domingo, setembro 14, 2008

O começo do fim.

O começo do fim.

Faltam 25 dias para o final desta jornada.

Lugares incríveis e inesperados como Dubrovinik, Croácia, Istambul na Turquia, Santorini e Rhodes na Grécia, e lugares incrivelmente terríveis como Port Said no Egito e Haifa em Israel que te fazem pensar que o Brasil não é afinal a última extremidade inferior do mundo, não me levem a mal, mas comparado com a França ou Itália nós somos aquele bairro barra-pesada que deve ser evitado a qualquer hora do dia ou noite.
Pessoas então, vêm e vão em igual velocidade aos portos, Cyril – o louco que de louco não tem nada, Damien de Camarões, Martin da República Tcheca (que na verdade é o único até agora a ter o perfil e mente criminosa de um chef), e muitos, muitos outros que me carregaram no colo durante estes dias de difícil adaptação para este atrapalhado cozinheiro que lhes escreve matando um litro de vinho para aplacar a dor moral de ter reclamado meses a fio por uma punição auto-inflicta, digamos assim.

Estranho até agora a mudança do perfil de meus companheiros de cozinha, perto de meus antigos chefs eles são garotinhas escoteiras cozinhando biscoitos para vender – meus antigos amigos de cozinha (e eu) estavam sempre a planejar pequenos furtos e outras atividades pouco aconselháveis além de beber, fumar, engolir e inalar qualquer substância controlada ou ilegal como meio de entretenimento além do inevitável assédio ao staff do salão, nem sempre bem-sucedido pois algumas garçonetes preferem fiapos de bambu embaixo da unha a beijar um chef; profusamente tatuados e com piercings em seus genitais (dos quais mostravam orgulhosamente a cada pedido – dentro da cozinha) éramos uma gangue de piratas, pilhávamos as bebidas restantes de cada festa do salão, furtávamos a cada chance itens menos accessíveis a nossos bolsos de cozinha para cozinharmos na casa de quem morasse mais perto, seja um pedaço de foie gras esquecido, um porterhouse steak, ou até um pote de trufas negras que ocasionalmente já havia sido pago pelo custo da comida do mês e passaria desapercebido, não importa, nossas noites eram puro prazer (sabemos dar prazer, trabalhamos na indústria do prazer), nossas happy hours começavam à uma da manhã e éramos uma matilha feroz após dez, doze, quatorze horas de trabalho defronte uma grelha à 300 graus Celsius, nossas mentes amolecidas e entorpecidas, tomávamos as cervejas para o staff e em seguida rumávamos para o Pub local onde as pessoas abriam nosso caminho até o balcão (“os chefs chegaram”) e depois de trabalhar tão duro, eu vou demandar sim que aquele bundão se levante ou se afaste do balcão para que possa tomar a minha birita. Eu era barra-pesada, apesar da cara de bom moço (não tenho culpa de ser loiro de olhos claros, baixinho e sem a menor cara de mau) eu não só acompanhava mas também era líder de pequenos esquemas vamos-beber-de-graça ou a-bebida-roubável-do-dia.
Aqui, todos são cordeirinhos bem-comportados, ninguém rouba nada mais caro que vegetais domésticos e prosaicos, ninguém afana aquele litro de vinho Madeira dando sopa na geladeira e ninguém canta a garçonete na cara larga. Onde fui parar ?
Outro dia, roubei pasta fresca do Toscana (após o serviço terminado do jantar) que deve ter um custo de US$ 0.50 e adicionei um pequeno luxo de trufas negras e óleo trufado que devem custar pelo menos uns US$ 50,00... ...os olhares de reprovação eram profundamente claros tanto quanto ignorados – porque trabalho como um escravo, não devo comer como um, se vocês dessem uma boa olhada na comida do Crew Mess, garanto que além de me perdoarem, pagariam um jantar para mim em um lugar bacana.
Foi uma refeição de um Rei.
Estou apenas exercendo a única e boa razão para se ser um chef/cozinheiro que é comer o que bem entender de graça. Tenho pouca clemência também por shitakes e portobellos, Prime Rib, Ossobuco (quase jogo a carne fora para roer o tutano delicioso), e tantas outras iguarias das quais não tenho acesso em minha prosaica vida no Brasil.
A verdade é – as pessoas aqui gostam do meu atrevimento, da minha desprovida falta de consciência ao roubar lindas e já douradas peças de foie gras para minha pasta com amêndoas e vinho branco ao creme, eles gostam de saber que ALGUÉM está fazendo justiça à merreca que nos pagam, alguém está recebendo o que merece.
Não que eles não peguem comida para seus currys e adobos (Indianos e Filipinos, bem dito) mas lhes falta a graça e a ambição de roubar os melhores ingredientes e transforma-los em algo sublime, Renata disse que a minha pasta é melhor que a do Satiricon, uma inflada e tanto no ego, devo acrescentar.
A barba por fazer (sempre), meus sapatos desgracentos, meu uniforme todo manchado e minha total falta de interesse pelo cardápio proposto me fizeram um tipo de caso perdido, ninguém pega mais no me pé e sempre quando posso, faço as coisas do meu jeito pois ter asiáticos tentando pensar por você, um porco ocidental e capitalista mercenário, sempre gera desgraça e atrasos pois a falta de praticidade e espontaneidade deles não bate com minha selvagem inclinação pelo improviso e flexibilidade na hora de preparar um prato, por flexibilidade entenda-se o Sistema “D”, saca MCGiver ? então, o sistema “D” trata exatamente disso, livrar o seu traseiro indecente de uma bela raquetada por falta de mise em place, por procedimentos duvidosos de cozimento de emergência tipo, um steak sendo mergulhado na fritadeira para o bem-passado ao mesmo tempo do médio na grelha (não faria jamais mas... dá uma idéia) ou a obtenção de itens sem autorização dos chefs de outras estações de trabalho, não importa, o sistema D vem de Débrouiller ou Demerdér, segundo meu ídolo Anthony Bourdain descreveu (se vocês lerem os livros dele, vão perceber que copio descaradamente o estilo dele minus a inteligência), enfim, o démerder sabe a hora de arregaçar as mangas e fazer aquela carne esquecida no fundo de uma geladeira virar um steak tartar de cem reais. Mesmo que jogando no robot Coupé, o que é um pecado pois deve ser na faca, mas na hora do aperto todos os pecados são perdoados para que possamos sair da cozinha no final da noite e beber de alegria, ao invés de matarmos a merda de nossas consciências com álcool por perder a batalha e entender porque Vatel se matou (na verdade, ele se matou porque sua encomenda de peixe nunca chegou) e se ele tivesse emprestado de alguém qualquer peixe ao invés de enfiar sua faca no estômago ? O sistema D teria poupado sua vida. Tudo sobre este trabalho é esperar pelo pior. Mise em place, é esperar pelo pior, usar sapatos com bico de aço é esperar pelo pior, aprender como usar um extintor é esperar pelo pior, assim como saber onde roubar cada item que poderá acabar do seu Mise durante o jantar... ...sempre estamos esperando pelo pior não importa, se somado ao navio a coisa piora – sabemos como prestar primeiros socorros, conduzir multidões nervosas, apagar incêndios entre outras medidas de evitar tragédias corriqueiras que podem, a qualquer momento, matar as mais de mil pessoas à bordo. Poseidon, alguém disse ?
O fim se aproxima, estou contabilizando meus podres, minhas conquistas, meus portos, mas ainda sim não têm sido fácil, na real, sempre lembro daquela cena de Kill Bill, onde Lucy Lyu pergunta à Uma Thurman – “ Você achou que ia ser fácil ?” e ela responde na maior sinceridade , “ Na verdade, achei...” fazendo uma cara de quem vai levar uns minutos a mais no trabalho enquanto decepa, tritura e decapta ninjas às centenas.
As últimas semanas foram de discussão, trabalho, ressacas incríveis, poucos portos (já vi todos e não posso ser incomodado), muitas horas de miséria absoluta, poucos momentos de intenso e agonizante prazer, provar Dolmades na Grécia, uma pasta Marinara à beira-mar na Itália, um legítimo Kebab em Istambul, Tâmaras frescas no mercado de rua do Egito, entre várias e várias cervejas locais para regar tudo... ...fazem quase tudo isso valer a pena, fora as milhares de restrições sempre em meu caminho.

Eu sempre aprendo tudo da maneira mais difícil, eu sei.

Mas se existe uma maneira mais fácil, qual seria a graça de se chegar ao fim ?

quinta-feira, setembro 04, 2008

O video que eu gostaria de ter feito.

Maravilhoso, estupendo, sem palavras, pena que nao fui eu quem fiz...


http://www.youtube.com/watch?v=xfq_A8nXMsQ

Wear Sunscreen

Se eu pudesse dar um conselho em relação ao futuro, eu diria:"usem filtro solar". O uso em longo prazo do filtro solar, foi cientificamente provado. Os demais conselhos que dou baseiam-se unicamente em minha própria experiência.
Eu lhes darei esse conselho:
Desfrute do poder e da beleza da sua juventude.

Oh, esqueça...
Você só vai compreender o poder e a beleza quando já tiverem desaparecido. Mas acredite em mim. Dentro de vinte anos você olhará suas fotos e compreenderá de um jeito que você não pode compreender agora quantas possibilidades se abriram para você e o quão fabuloso você era... Você não é tão gordo(a) quanto você imagina.

Não se preocupe com o futuro.
Ou se preocupe, mas saiba que se preocupar é tão eficaz quanto tentar resolver uma equação de álgebra mascando chiclete. É quase certo que os problemas que realmente têm importância em sua vida, são aqueles que nunca passaram pela sua mente, tipo aqueles que tomam conta da sua mente às 4 horas da tarde de uma terça-feira ociosa.

Todos os dias faça alguma coisa que te assuste.

Cante.

Não trate os sentimentos alheios de forma irresponsável.
Não tolere aqueles que agem de forma irresponsável em relação aos seus sentimentos.

Relaxe.

Não perca tempo com inveja. Às vezes você ganha, às vezes você perde. A corrida é longa, e no final, tem que contar só com você.

Lembre-se dos elogios que você recebe. Esqueça dos insultos.
(Se você conseguir fazer isso, me diga como...)





Guarde suas cartas de amor.
Jogue fora seus velhos extratos bancários.

Estique-se.

Não tenha sentimento de culpa por não saber o que você quer fazer da sua vida. As pessoas mais interessantes que eu conheço não tinham, aos 22 anos, nenhuma idéia do que fariam na vida. Algumas das pessoas interessantes de 40 anos que eu conheço ainda não sabem.

Tome bastante cálcio.

Seja gentil com seus joelhos.
Você sentirá falta deles quando não funcionarem mais.

Talvez você se case, talvez não. Talvez tenha filhos, talvez não.
Talvez você se divorcie aos 40.
Talvez você dance uma valsinha quando fizer 75 anos de casamento.
O que você fizer, não se orgulhe, nem se critique demais.
Todas as suas escolhas tem 50% de chance de dar certo. Como as escolhas de todos os demais.





Curta seu corpo da maneira que puder.
Use-o de todas as formas que puder.
Não tenha medo dele ou do que as outras pessoas pensam dele.
Ele é o maior instrumento que você possuirá.

Dance.
Mesmo que o único lugar que você tenha para dançar seja sua sala de estar.

Leia todas as indicações, mesmo que você não as siga.

Não leia revistas de beleza. Elas só vão fazer você se sentir feio.

Saiba entender seus pais.
Você não sabe a falta que você vai sentir deles quando eles forem embora pra valer.

Seja agradável com seus irmãos. Eles são seu melhor vínculo com o passado e aqueles que, no futuro, provavelmente nunca deixarão você na mão.

Entenda que os amigos vão e vem, mas que há um punhado deles, preciosos, que você tem que guardar com muito carinho.





Trabalhe duro para transpor os obstáculos geográficos e os obstáculos da vida, porque quanto mais você envelhece, tanto mais precisa das pessoas que te conheceram quando você era jovem.

More em New York City uma vez.
Mas mude-se antes que ela te transforme em uma pessoa dura.

More no Norte da California uma vez.
Mas mude-se antes de tornar-se uma pessoa muito mole.

Viaje.

Aceite algumas verdades eternas:
Os preços vão subir,
os políticos são mulherengos e
você também vai envelhecer.
E quando você envelhecer, você fantasiará que quando você era jovem:
os preços eram razoáveis,
os políticos eram nobres e
as crianças respeitavam os mais velhos.

Respeite as pessoas mais velhas.





Não espere apoio de ninguém.
Talvez você tenha um fundo de garantia.
Talvez você tenha um cônjuge rico.
Mas você nunca sabe quando um ou outro pode desaparecer.

Não mexa muito em seu cabelo.
Senão, quando tiver quarenta anos, vai ficar com a aparência de oitenta e cinco.

Tenha cuidado com as pessoas que lhe dão conselhos.
Mas seja paciente com elas.
Conselho é uma forma de nostalgia.
Dar conselho é uma forma de resgatar o passado da lata do lixo, limpá-lo, esconder as partes feias e reciclá-lo por um preço muito maior do que realmente vale.

Mas acredite em mim, quando eu falo do filtro solar.

terça-feira, setembro 02, 2008

Redux.

Vamos para mais uma postagem sem pe ou cabeca.

Bem, faltam 37 dias para o fim do contrato (encurtaram de quase toda a tripulacao em 21 dias, aleluia) e desembarco em Barcelona.
Cyril foi embora, muitos amigos se foram, esvaneceram-se - desaparecem conforme vao-se indo, apos uma semana ninguem mais comenta sobre as pessoas que saem de ferias.
Na ultima noite de Cyril, fomos ate a cabine dele tomar um porre e ouvir musica muito alta para irritar o chef italiano do Toscana,que morava na cabine ao lado, as tres da manha quando estava indo embora enfiei uma bica na porta dele, me fez sentir melhor, o cara me desprezava mesmo entao sem grandes mudancas no status.
Minhas tarefas continuam as mesmas, mas tenho achado cada vez mais maneiras de burlar minhas obrigacoes e mesmo me esforcando o maximo, ainda tem pessoas fazendo muito menos que eu, vejam so quanta capacidade desse pessoal em superar (tudo).
Aprendi a roubar a comida interessante, a conseguir breaks nao-autorizados, cerveja no meio do turno (bebida dentro da geladeira em dois goles), a chegar uma hora atrasado de manha e fazerem todos pensar que estava ocupado em outro outlet, enfim... ...estou me tornando um chef novamente, um pirata, um cara da turma.
Na verdade, eu consigo me safar de assassinato aqui, diariamente.
Ainda tenho vontade de esbofetear alguns passageiros com um T-bone bem pesado, alguns membros da equipe a frigideiradas quentes e de jogar algumas pessoas ao mar amarradas em uma batedeira gigante. Paciencia, ha tempos nao tenho mais.
Exemplo de falta de paciencia : pus a comida na lampada aquecedora estes dias e o garcon na minha frente me olhando; eu olhando de volta, cara seria. Ele continua me olhando, de baixo para cima e eu encarando ele e a comida esfriando.
"Posso levar ?"
"Nao, traga o passageiro aqui para comer" disse. Continuei olhando para ele com cara seria, silencio ainda - "Pega esta merda e some, please" e la se foi ele.
Nao consigo mais lidar com os chefs do alto escalao pois nao posso gritar com eles (na real, ate ja gritei com eles), o dia da excursao para o Egito entao, na qual fui barrado por ter que trabalhar e no dia da maldita excursao (na verdade, meia hora depois de terem saido) fui avisado para tirar apenas seis horas de folga, pois tinha overtime para descontar - fui voando falar com o chef executivo, enfurecido; aparentemente eu nao mereco ter prazer neste lugar, como disse, essa gente acha que nao fui torturado o bastante, na real, passei por todas as fases daqui, negacao, ira, desespero e finalmente aceitacao...
Tenho enchido a cara todas as noites no Crew Bar, acordo feito um zumbi todas as manhas e engulo um balde de cafe preto para empurrar os cigarros antes de trabalhar e arrasto minha ossada durante o dia procurando lugares estrategicos para encosta-la em algum lugar fora de olhares supervisores.
Entendo agorao que eh tao viciante no navio para estas pessoas, estar em "seguranca" aqui, fora do mundo real, nao tendo que lidar com a pessoas que realmente importam e que podem te machucar violentamente (relacoes humanas sao brutais), nada importa aqui, apenas voce, seu trabalho, seu dinheiro, os portos e seja la o que as pessoas estao buscando aqui (na minha opiniao, abrigo).
Quando voltarmos, quero saber como o navio vai foder com meu senso de realidade, tipo... "tenho que pagar por comida ?", "comprar papel higienico ?", dirigir um carro sera a experiencia mais petrificante do mundo, imagina, se locomover em terra ?? sem agua em volta ? caramba...

Tenho que parar aqui sem nenhuma conclusao de verdade, mas tentarei manter os blogs vindo... ...mas to cansado pracas para me preocupar na maioria dos dias...

sexta-feira, agosto 08, 2008

Insanidade.

Como descrever meus últimos dias aqui ?

Após uma gripe que quase dizimou toda a tripulação, um dia de folga (quase) dado pelo médico, uma crise de identidade ferrada, um pedido de demissão inesperado e muita heineken para regar tudo isso ( e poucas horas de sono), posso lhes adiantar que a vida jamais será a mesma neste navio.
Pedi demissão enlouquecido, chega, não agüentava mais esta vida ingrata de trabalhar dia após dia, miseravelmente sem ver o fim disso tudo, tomei a decisão e mandei ver, Barcelona seria meu último porto e pronto – sem destino, eu sou mesmo, não adianta tentar confiar em mim que não sou confiável para um monte de coisas e compromisso não é uma delas definitivamente, estou sempre de galho em galho não adianta até porque, cada tem sua vida para cuidar e pronto. Após a demissão, me senti melhor, com mais energia para trabalhar, mas dois dias se passaram e eu ainda estava em negação de quem era, quem sou e o que faço e o que faço de melhor para as pessoas deste bom mundo é cozinhar, na verdade é o único benefício que proporcionei à humanidade até hoje tenho certeza.
Cyril, Souz Chef, deixaria o navio no mesmo dia, estávamos à toda, um dos únicos amigos que fiz aqui também iria embora (mas com o contrato terminado) e eu me sentindo levemente desertor, que diabos, as poucas amizades que fiz ficariam para trás, voltar para fazer o quê ? Mendigar atenção de quem realmente tem uma vida no Brasil ?
Enlouqueci, pirei, passei um dia sem abrir a boca, meus torturados colegas de trabalho bem que tentaram mas estava em total insanidade, meu corpo está no limite, minha mente girava, o que estou fazendo da vida ?
A verdade, é que conheci um chef aqui que me fez repensar muita coisa, temos o mesmo comportamento errático, mesmas decisões tremendamente pobres em julgamento e não nos comprometemos com nada, ele sou eu daqui a dez anos e não sei se gosto ou não do que vejo pois ele me parece um desperdício de um cara muito legal e alguém que precisa ser salvo de si mesmo, não que ele seja destrutivo ( bem, todos somos até algum ponto) mas a história sempre se repete, a diferença é que ele aceita quem é e sabe que isso não irá mudar, enquanto eu brigo para não ter destino dele, talvez seja mais fácil aceitar quem sou e mandar tudo à merda, não sei.
Pirei, e pedi meu emprego de volta, vou terminar sim e depois que seja qualquer lugar no mundo que eu quiser.
A verdade é que quero saber o final da história (dele e minha) e torcendo para que seja feliz, na verdade é uma puta transferência mas quem se importa ?
Trabalho, enfim, as coisas continuam as mesmas, com alguns toques novos, mais responsabilidades, mesma grana, hoje atendi 15 pessoas sozinho no grill da piscina em dez minutos, parecia uma batedeira 110 em 220, eu sorria, virava, jogava hambúrgueres, decoração de pratos, batatas para fritar, pão para tostar, os tostex na prensa, tudo ao mesmo tempo agora, não errei um pedido mas parecia aqueles desenhos animados do pica-pau em que ele se divide em cinco e retorna a ser seu único eu em um piscar de olhos, um casal de americanos simplesmente não conseguia tirar os olhos de mim e depois pararam para comentar o quão rápido estava, o restaurante à noite foi um desastre, pedidos errados, comida faltando, o caos instalado, pode-se ver as bolsas escuras embaixo de meus olhos, minha barba cresce a cada minuto, pareço um desabrigado às vezes. Uma retardada de uma garçonete que trabalha lá foi mais de 50% da confusão, quero matar a anta – acabou espinafre, acabaram-se molhos, tudo saindo a la Minute, eu corria,meu novo assistente em seu primeiro dia, suava, pingava, amaldiçoava, e no final, mais um piti daqueles (cinco garçons implorando por toda a merda que eu não tinha mais disponível e que esqueceram de incluir nas comandas), gritei “quietos “ e perguntei o que cada um queria, olhos esbugalhados, chef me encarando, após várias respostas constrangidas, parei, fui buscar o que precisava no deck 4, e voltei para terminar esta merda de noite de uma vez por todas.
Estou cansado, derrotado, porém determinado a acabar com esta merda antes que acabem comigo, mas quer saber ? Sou também um daqueles caras que as pessoas querem salvar e que não querem ser salvos.
Fazer o quê ?
Eu sou quem eu sou, e faço o que eu faço. Pronto eu falei.
Quero salvar aquele pobre chef, dar um abraço e falar que tudo vai ficar bem, mas não posso, nem acredito nisso, pois não sei o que vai ser de mim, estamos na mesma barca sem remos que se tornou a nossa vida, sem salvar a mim mesmo, não salvo ninguém.
Acho que o negócio é mesmo tocar a barca. Até porque, estou sentindo-me estranhemente confortável aqui, abrigado do mundo real.

Isso não pode ser bom...

sábado, julho 12, 2008

Piti

O que mais fazem os chefs conhecidos da TV ?

Tem piti ao vivo, gritam, esbravejam, ofendem e vociferam para suas pobres vitimas suando sobre os fogoes e fornos, Douglas Ramsey que o diga.
Os chefs daqui tambem tem seus momentos, entao chegou a hora de ter o meu.
Bela noite, estavamos indo para Civittavecchia, meus dois chefs histericos na esbravejacao insana deles, gritaria, tapas no balcao, ofensas sendo despejadas e eu correndo e suando, suor escorrendo pelas minhas costas, testa, a pela vermelha do calor e a jaqueta de chef pingando, sim, era mais uma noite daquelas, os acompanhamentos para 115 reservas de um e 120 reservas do outro, entradas, tudo ao mesmo tempo agora, caos, gritaria, esbarroes, frigideiras queimadas, o mundo estava ali. Quando vem um desgracado do Toscana (o outro restaurante que eu sirvo) reclamar que os aspargos dele nao vieram ainda e me xingar.
Por um momento senti a veia de minha testa pulsar, o sangue comecou a correr rapido e a visao a avermelhar - eu senti vindo, eu sabia, mas era tarde demais, ele veio e me dominou, o tal do piti... ...frigideiras voaram, colheres enormes ricocheteavam no topo do fogao, eu simplesmente perdi.
" Nao basta estes DOIS Chefs histericos gritando comigo ? Voce tambem quer ?"
Ele sumiu na hora, olhos esbugalhados em torno de mim.
"ALGUEM mais quer vir e gritar comigo ???" - Todos tiraram os olhos rapidamente de mim e voltaram a trabalhar.
So terminei com um "FINE", me virei e voltei a cozinhar, o tal do piti aconteceu e sumiu do mesmo jeito, rapido e imprevisivel. Depois daquilo, o respeito agora eh outro, me deixam um pouco em paz a partir daquele dia.

Um piti de vez em quando nao mata, alias, salva.

sexta-feira, julho 11, 2008

Dias a fio.

Pois eh, estou em um longo silencio parece.

O tempo passa, e as coisas continuam cada vez mais as mesmas com algumas nuances diferentes apenas, fiquei doente (uma gripe gigantesca) que me deixou de cama por um dia, so levantando para comer e ir ao banheiro - pensei que ia morrer de gripe, garganta irritada, tosse, olhos fundos e marejados, dores pelo corpo, pacote completo.
Meus companheiros de trabalho mudam constantemente, so eu nao mudo de estacoes de trabalho o que ja esta me deixando veterano em algumas areas, puseram um rapaz lerdo, muito lerdo, na lanchonete da piscina e acabo fazendo todo o trabalho sozinho o que me deixa extra cansado para encarar a noite dura. Agora, em Julho, os caipiras americanos que pagaram a maior fortuna da vida para viajar, trouxeram as criancas e a familia toda e o resultado eh muita enchecao de saco (eles sao mais exigentes por nao saber os limites de um servico primeira classe) criancas correndo por todo o lugar, restaurantes lotados todas as noites, urros, gritos, berros e sussurros do profissional que lhes fala.
Estou em uma posicao de trabalho espartana, apos algum tempo eu saquei que ao contrario do que achava, pouca gente trabalho no ritmo que eu trabalho, com duas linhas por dia, um departamento e tres mise em Place para preocupar e arrumar (nunca esta completo quando chego para trabalhar), o trabalho nao muda nunca... ...estou entediado para falar a verdade.
Os portos irao se repetir agora ate o final do meu contrato, ja estive em Amalfi umas cinco vezes, Veneza duas ou tres, etc... ...na real, tudo que era novidade e inusitado esta ficando um pouco enfadonho, tenho considerado voltar logo e desistir de terminar o contrato, na verdade ja tinha me decidido hoje, peguei o formulario e estou com ele no bolso para preencher e terminar o contrato dia 06 de Agosto, mas muitas coisas passam pela minha cabeca agora, a viagem que eu faria vai para o brejo, etc... Agora que resolvi ir embora, parece que deu uma travada, parece que nao sei se quero voltar, mas amanha cedo eu vou querer de novo, podem apostar.
Se decidir, ainda tenho mais um mes pelo menos de navio.
Duas brasileiras ja desistiram e se mandam este mes, fiquei meio com invejinha, apesar de sentir pelos amigos que fiz aqui, mas de qualquer maneira todos iremos ficar distantes de uma maneira ou de outra, essa experiencia eh de carater transitorio de qualquer maneira, agora... voltar e fazer o que no Brasil ??
Posso montar uma lanchonete, ja tenho experiencia de sobra, ou talvez ser guia turistico, montar um churrasquinho na praca da cidade, vender sanduba natural na praia com espetinho de camarao e queijo coalho, sei la...
Desempregado de novo, sem casa propria, sem grana e destino.
Provavelmente vou encontrar outra roubada para me enfiar.

segunda-feira, junho 16, 2008

Veneza, de novo !!

Pareco um milionario falando, poxa, Veneza de novo !!

Alias, se disser que estou enjoado de Foie Gras, Lagosta e nao posso nem olhar para um prime rib, a coisa soa mais esnobe ainda, mas a verdade eh que eu adoro estar em Veneza, nao importa a situacao. Hoje a tarde, sai em Veneza e fui ate Sta. Margherita, uma praca charmosa em meio aos canais de Veneza, sentei-me com uma amiga para tomar uma taca de vinho e curtir o local.
Ontem a noite, eu e mais dois amigos nos reunimos em minha cabine para tomar um porre, eu precisava de um porre depois do dia que tive - sabe aqueles em que vc bebe ate as quatro da manha em quantidades paquidermicas de alcool ?? Entao, esse mesmo, DVD do AC/DC rolando, vinho, cerveja, bate-papo e dane-se o mundo...
A manha foi complicada mas eu sobrevivi, estou morto de sono mas vou sair daqui a pouco por Veneza de novo para meu tour etilico again, amanha tenho a manha de folga entao vamos la para mais uma parada durissima.

Chega de escrever, preciso sair viver um pouco. Ainda odeio este navio.

domingo, junho 15, 2008

Desastre.

Hoje meu dia foi um desastre,

Tudo deu errado, eu esqueco das coisas, nao consigo trabalhar direito e foi um desastre sem proporcoes conhecidas - se eles nao me mandarem embora, eu posso acabar me demitindo se a coisa caminhar nesse sentido.
Nao vejo como trabalhar decentemente nestas condicoes, o Chef de Partie que trabalha comigo nao confia em mim, falta equipamentos, falta excitacao e paixao para exercer este trabalho aqui, tem dias que as coisas correm bem, mas hoje foi sinceramente caos. Quando estou muito cansado, fico meio paranoico, entao a paranoia de hoje eh serei demitido ou forcado a me demitir, mas as vezes o cansaco fala mais alto e nada acontece (bem, na maioria das vezes).
Muitos amigos estao indo embora amanha, e estou bem deprimido por isso tambem, amanha chegamos a Veneza e para variar, nao posso sair, o que vai definitivamente minar meu humor de vez - sinto este lugar como opressivo demais para mim.
E requerido que voce seja um capacho para sobreviver aqui, mas eu ja estou comecando a berrar de volta na cara do Chef do Polo e hoje cheguei a tremer de raiva e contive meu surto psicotico, estava pronto para fazer voar frigideiras...
Quase quatro meses passaram e nao me sinto melhor por estar aqui, eu nao estava errado, isso aqui eh uma merda que parece nao ter fim, a agonia parece que nunca vai passar e que sua vida vai terminar neste navio, claro que eu sei que vai acabar mas a atmosfera de prisao eh uma coisa inexplicavel.
Muitas pessoas ja pediram demissao desde que cheguei, tenho aguentado ate que bravamente, dada as devidas proporcoes mas quatro meses de sua vida em um emprego que voce detesta, eh tempo pra caramba tenhamos que convir.
Amanha, teremos varios chefs novos comecando em nossas estacoes, rezo para serem iluminados, ou simplesmente competentes, sei la o que vem por ai.
Meu novo chef de secao tem 23 anos, vejam so, mas ele eh demais de cuidadoso comigo pois sabe que tenho onze anos a mais que ele e bem menos paciencia.

Pelo menos, estou ficando perigoso pra esse povo.

sábado, junho 14, 2008

Cansado.

Estou cansado.

Cansado de trabalhar, cansado de esperar a maldita data de ir embora chegar, cansado demais para pensar muito e principalmente, cansado demais para me importar ultimamente. Observem eu nao me importar.

De manha, meu corpo reclama que nao quer sair da cama, minhas pernas parecem geleia quando subo as escadas do deck e desco ate a lavanderia para buscar meu uniforme (que nunca esta totalmente limpo de manchas, estou cansado dos chinas da lavanderia), meus olhos ardem ao primeiro contato da luz pelas escoltilhas da cafeteria, me arrasto ate o fundo e acendo um cigarro enquanto escuto meu Ipod e evito contato visual/verbal com qualquer pessoa que se aproxime, observo o relogio ir depressa de encontro as oito e rezo para que o tempo pare so um pouco para que eu comece a tortura diaria - entro na cozinha para descobrir que os aventais acabaram (quase todos os dias) entao vou sujar a jaqueta e depois ser repreendido pelo chef, vou procurar travessas, assadeiras e todas as quinquilharias necessarias para comecar o trabalho mas nao tem nada limpo ou disponivel pois os outros chefs ja esconderam tudo para eles, os canalhas, vou ate o acougue onde o acougueiro nao responde ao meu bom dia, peco as pecas de carne do dia para assar e ele diz que esta muito cedo ainda (ja viu isso ?) saio querendo atirar um cutelo na garganta dele.
Dai, o jamaicano de dois metros passa com as entregas de verduras, e tem sempre alguma coisa faltando da qual vou ter que implorar pelas outras estacoes afora depois, o trabalho comeca aos trancos e barrancos pois ate as nove e meia eu nao sou gente ainda, so acordo la pelas dez, a correria pre-almoco comeca e corro como um frango como dizem os filipinos. Onze e meia, break para o almoco (que nunca como) a comida da cafeteria eh minha velha conhecida e algumas coisas servidas eu conheco ha mais tempo que alguns amigos aqui, carne louca ? ja devo ter encontrado pelas geladeiras umas tres vezes ate seu destino final, o estomago da tripulacao.
Enfim, mais uns cigarros ate a lanchonete da piscina, hoje saimos mais cedo do porto entao todos estarao a bordo, filas imensas, pessoas deseperadas por comida e eu suando, me movimentando ao maximo para cozinhar trinta hamburgueres ao mesmo tempo, com diferentes queijos, tempos de cozimento, sanduiches grelhados que tem que ser montados na hora, grelar cebolas, cogumelos, correr, gritar, berrar, sussurrar ate os suspiros finais quando vou para meu intervalo da tarde, as vezes eu saio nos portos as vezes (como hoje) tenho que ficar dentro do navio pois ou saimos cedo demais, ou eh meu dia de permanecer (port manning eles chamam) entao fico na net torrando meu dinheiro e neuronios para escrever alguma coisa ou simplesmente vou dormir para esquecer por alguns momentos que estou em um navio que pode acertar um iceberg a qualquer momento, mas creio que Deus nao seria tao bom assim comigo.

Cansado de meus dias iguais.

As quatro e meia da tarde, volto a cozinha principal para finalizar os detalhes do jantar e dia seguinte, corro para preparar a comida do staff mess (a cafeteria dos oficiais bacanas que a gente nao entra) e o acougueiro mandou varne picadinha de novo, eu nao sabia disso entao nao tenho verduras, vegetais e temperos que deveriam ser pedidos um dia antes para preparar alguma coisa decente (pois vc acha que ELES comem qualquer coisa ?) saio feito um desesperado procurando raspas e restos que roubo das geladeiras e imploro alguns itens, o Chef das sopas sempre tem alguma coisa esperando por la, cozinho o mais depressa que posso e mando as asadeiras pelando as seis, juntamente com milhares de outras coisas, seis e meia, apos mais um break, Polo Grill, fogao de novo - cento e dez pessoas fizeram reservas entao sera mais um massacre... ...comandas chegam, aperitivos, acompanhamentos absurdos (as pessoas mudam TODOS os itens do cardapio, tira manteiga poe creme, mistura dois tipos diferentes, quero sair e perguntar se eles nao gostariam de entrar e cozinhar) e tres horas e meia depois, estamos nos ultimos pedidos e ja tenho que limpar tudo, tirar todas as assadeiras, jogar fora os restos, desligar tudo... ...desco ate a minha estacao na cozinha central e tenho que lavar bancada, forno, blast chiller, e tem dias que ainda tenho que ir limpar o deposito de vegetais apos isso.
Estou cansado disso tudo - meu normal eh cansado e meu cansado eh EXAUSTO.

A verdade: estou sempre cansado de tudo, nao importa onde estou.
Vou dormir um pouco agora...

sábado, junho 07, 2008

O golpe perfeito pra burro.

O navio esta em choque.

Hoje, cinco equatorianos da limpeza foram mandados embora por roubarem, vejam so, nada mais que dois laptops, cinquenta e tantos celulares e la vai uma pedrada em joias incluindo um anel de cinquenta e cinco mil dolares - eles planejaram tudo, incluindo nao esconder em algum lugar ou tentar vender essa quinquilharia no porto mais proximo, nem o fato de nossas cabines serem inspecionadas regularmente ou talvez do fato de que alguem, tipo, sem a menor intencao fosse notar que o laptop teria sumido ou deixasse para procurar em um canto da mala depois.

Um Golpe bom pra burro !!

Eles cataram o que puderam das bagagens durante a embarcacao dos novos passageiros, enquanto carregavam as malas para dentro do navio, tipo, so por diversao saca ?
Claro que de certa forma toda a america latina fica meio degradada com estas pequenezas vejam so que crueldade.

De resto, a vida aqui eh uma versao de oito meses do mesmo dia com paradas estrategicas nos portos, o que vale muito apena enquanto dura...
Na cozinha estou mais solto, com menos medo de errar e mais pratico e ate soltando mais as asinhas para reclamar, berrar quando preciso (na devida proporcao, claro) e ate para brincar mais com as pessoas e a situacao toda, a verdade ainda eh que nada muda ou melhora, a gente apenas acostuma e pronto.

Na real, durante estes dias eu pensei em varias coisas incriveis para escrever, mas agora nada vem a minha mente, mas amanha prometo (nao, nao prometo) que vou escrever algo que valha a pena.

Mas que a Neuza que esses caras deram aqui foi miada...

quinta-feira, maio 29, 2008

Tres meses.

Semana que vem completo tres meses de navio.

Tres meses de agonizante desespero e igualmente agonizante prazer, tres meses dentre portos desconhecidos, reforma de navio, pessoas insanas, passageiros insaciaveis (e nao no bom sentido), tres meses sem um unico dia de folga - o saldo ? Pernas bambas durante os primeiros momentos da manha, olheiras profundas, quilos desaparecendo, olhares desesperados atraves da escotilha, maos e pes que seriam o pesadelo de qualquer manicure/pedicure, abstinencia de sono entre muitos outros males que afligem a pobre tripulacao. Os beneficios ? Magro como um modelo (de funeraria), alguns dolares mais rico, portos incriveis para se ver, pernas musculosas e uma bunda que parece uma escultura de marmore grega de tanto subir e descer escadas, tem tambem a tal da parte em que a gente fica mais forte para encarar a vida e que depois disso qualquer desafio eh pinto, tipo... ...aquela mensagem esperancosa da qual eu geralmente nao acredito, e ainda duvido um pouco pois essa tal de iluminacao nao rola com gente cinica.
Mas, apos Veneza ainda tive um leve caso de depressao com momentos esparsos de desespero (quis mais uma vez pedir demissao) e hoje estou a toda novamente, isso aqui eh uma montanha russa emocional devo acrescentar. Nao pude descer em Dubrovnik, e mais uns portos e fiquei trancafiado no navio por quase uma semana e quando isso acontece, diga adeus ao meu humor. Trabalhei muito mal nos ultimos dias e me esquecia de tudo, cheguei a achar que seria demovido do cargo ou mandado embora, mas hoje eu trabalhei numa boa e nem sei porque estou me sentindo bem, simplesmente tem dias e momentos em que estou no gas.
A vontade de mandar todos a merda, porem, nao passa nunca.
Cinco meses a frente, meu corpo berra "estou fudido" enquanto minha cabeca da sinais de emergencia e ainda por cima tenho cinco meses mais pela frente ? Cara, o que eu estava pensando ??
Pelo menos aceitei o fato de que estou aqui e nao tem nada que eu possa fazer agora, demitir e voltar para casa com o rabo no meio das pernas (apesar de soar atrativo as vezes) nao eh a minha coisa, nao quero carregar essa derrota pelo resto da minha vida entao esses FDPs que me aguentem por oito meses e pronto !! Falei.
Hoje, vou descer em Taormina, Italia, dar uma olhadela no lugar que nao eh tao bonito quanto outros portos que eu vi, mas tem uma praia bem legal e quem sabe eu de uma salgada no couro para aliviar o stress.

Enfim, eu agora aceitei que estou aqui por alguma razao/cinrcustancia e vou tentar tirar o maximo dessa merda toda.

Mas ja avisei o Sous-chef, se de repente ele ouvir Code Oscar (man overboard, homem ao mar) correr para minha cabine e se apropriar das minhas tralhas porque eu pulei.
Vai que...

sábado, maio 24, 2008

Veneza. Beber, cair e levantar.

Veneza eh um sonho.

Ruelas misteriosas, Igrejas aos milhares, arte por todos os lados e a Piazza de San Marco - nao se pode ignorar Veneza nem deixar de ve-la apenas por ser "turistica", se bem que a unica coisa que estraga sao os proprios turistas, por toda parte congestionando tudo, a catedral eu nao pude ver pois iria ficar na fila de entrada por horas, sinto uma vontade imensa de gritar "ele ta armado" para ver se a fila desaparece mas contive e me contentei com a bela vista e as igrejas satelite em torno. Odeio turistas, mesmo sendo um, nao me sinto parte daquela horda de pessoas em conjuntos esportivos devorando sanduiches direto das suas mochilas com seus terriveis bronzeados pink, nao eu nao sou parte dessa corja. Eu sou muuito mais cool que eles para isso, simplesmente desprezo esse povo.

Dei uma volta durante o dia, tomei um sorvete ouvindo meu Ipod e andando feliz da vida pela Piazza, melhor de tudo isso, sem pressa pois sabia que a noite me esperava.
Na volta, uma chuva toleravel caia e parece que deixou tudo ainda melhor apos meses sem sentir o que eh andar na chuva despreocupado, senti-la na minha pele e refrescar um pouco minha tao perturbada cabeca que ainda pensa nos cinco meses restantes que tenho pela frente - Barcelona, 01 de Novembro, andarei para fora deste navio sem olhar para tras em direcao as minhas tao sonhadas ferias na Europa.
Trabalhei no Polo Grill e tentei me mandar o quanto antes (que acabou sendo onze e pouco da noite) as pessoas ja estavam voltando para o navio e eu andando a passos largos esperando encontrar qualquer distracao mundana, um boteco (que nao existe aqui) um restaurante nao tao fino (se voce nao pedir comida, eles te expulsam na cara dura) qualquer coisa servia, na Piazza de San Marco encontrei um bar moderninho (uma surpresa) pedi uma Heineken numa taca do tamanho da minha cabeca e puxei papo com dois americanos perdidos tambem, fomos ate um Jazz Bar ali por perto daquelas vielas e tomei mais cerveja, mas apos um tempo o bartender ao perceber que a minha sede nao passaria tao cedo, deu-nos copos descartaveis e rua. Paramos em uma ponte na frente do canal e ficamos admirando Veneza e bebendo - ate as quatro da manha, quando voltei cambaleante para o navio, cercando frango e com direito a um xixi em um beco daqueles com meu Ipod a toda, cantando, ganindo e uivando.

Acordei no pior dos humores, pus meu uniforme e descobri a cafeteria fechada (abstinencia de cafeina, pior que a ressaca) encarei o buffet no andar de cima, nao estava afim mesmo de ver os passageiros mas o dia passou e eu aguentei firme.
Hoje, vou sair de novo para a noite de Veneza, Deus me ajude pois ele ajudou a contruir Veneza e metade da culpa eh dele...

Estou podre de cansado, mas o apelo eh grande... ...sera que vou resistir ?

Beber, cair e levantar... ...igualzinho a tudo na vida.

quarta-feira, maio 21, 2008

Língua Universal

Língua Universal

Como em todo bairro, região, lugar, o navio tem sua própria língua (várias na verdade) mas existem palavras que são usadas por todos para designar coisas diferentes – muitas palavras soam latinas porque eles acham mais bacana, outras são coisas do Filipinos que misturam tudo, inglês, espanhol e tagalog, coisa para doido ver, eles começam a falar em inglês e logo depois o papo vira o Samba do Crioulo Doido.
Seguem alguns exemplos do que falo :

Babaloo – Louco, insano ou retardado mental, abestalhado.
Banana – Encrenca, confusão, repreensão (coisa fácil aqui); o chef executivo te pegou pré-assando steaks para só aquecer e servir ? BANANA pra você.
Paisano – Uma pessoa que é do mesmo país que você, seu compatriota, seu paisano.
“like rice” – Plenty like rice, alguma coisa em abundância; número de filipinos à bordo ? Like rice, como arroz, muitos.
Papae – Refeição, comida.
Papa – Cara, amigo; Hey papa, como està ?
Taka taka – Muita conversa, falação;
Disaster – como a palavra diz, desastre, caos, mas a diferença é que eles usam para tudo;
Why like this ? – quando a coisa está muito corrida, complicada ou difícil, fale esta sentença com uma voz fina e estridente dando ênfase ao thiiiis, porque tem que ser assim, satirizando o péssimo inglês da maioria das pessoas aqui.
Gimme chance, Papa – por favor, me deixe passar, ou abrir a geladeira, saia do caminho.
Foooock – enfim, fudeu.

Enfim, somos uma estranha comunidade, como na prisão temos nossas próprias regras, dialetos e pessoas de todos os tipos, às vezes é difícil de acreditar que somos quase cinqüenta nacionalidades em um único navio. Hoje, paramos em Kotor, mas não pudemos descer pois atracamos às três e os pasageiros saem antes, três excursões, e daqui a uma hora e meia eu trabalho (de novo) mas nestes quase três meses eu quase não acredito que eu não desisti ainda, devo ser mais resistente do que pensava, pelo menos me livrei da tortura de Bombay, mas na real, estou mais preocupado com os portos, esta semana, três dias em Veneza com tempo livre para sair a noite (só começo as onze da manhã no segundo dia) então vou atingir as ruas de Veneza como um rojão.
Tentarei não tomar um porre, mas não prometo nada.

terça-feira, maio 13, 2008

Chefs sao loucos.

Bem, pertecendo a categoria, eu sou uma sumidade para discutir o assunto.

Cara, chefs sao pessoas egocentricas, Machiavelicas e sadicas que habitam as cozinhas todas, sem excecao - sua refeicao eh preparada sim, por um cara horrivel com habitos pessimos e uma compulsao insana por pisotear seus subalternos, prazer eh pouco para descrever.
Mas, estava vendo uma das demonstracoes culinarias que eles fazem aqui no navio, o chef executivo garboso e seu comparsa sous chef, mostrando as milhares de veias que habitam este cruzeiro como preparar um polvo com arroz na tinta e uns canapes de tudo quanto eh tipo, como se essas senhoras do centro-oeste americano fossem admitir a entrada de um polvo em suas geladeiras, elas preferiam se ensaboar com o bicho vivo a ter que coloca-lo na boca. Enfim, as pessoas (poucas) que forcavam os Ahhss e ohhss nao ficaram muito impressionadas com o prato e tampouco acho que vao fazer um prato com canapes de todos os tipos, tipo, quarenta mini-iguarias todas diferentes feitas com ingredientes tipo, queijo feito pelas freiras lesbicas e manetas do Nepal, rarissimo Tartufo Bianco farejado pelos caes siberianos cegos, tudo com 1, 2mm de espessura cortados em fatiadores profissas (quem nao tem um em casa ?), esturjao roxo da Antarctica... ...o cara eh um punheteiro louco, vai me perdoar.

Quando esse fulano passa pela linha de servico, faz dez pratos voiltarem, pois este esta com um micro ponto de balsamico no canto, o outro a salsinha picada caiu um milimetro depois da linha do prato e no outro ele manda trocar porque nao gostou da sua cara quando voce preparou. O cara parece que esta sentindo cheiro de peido o tempo todo.
O resto de nos, somos mercenarios que vivemos sujos, engordurados, bebados em qualquer minuto vago, somos a escoria do inferno, front staff nao se atreve a dar um abraco em um cozinheiro - somos a ultima coisa que alguem quer ter como vizinho.

Enfim, esta casta a qual pertenco agora, eh simplesmente um bando de loucos, toxicomanos, bebados e insanos - meu tipo de gente.

segunda-feira, maio 12, 2008

Mitylene, ou sei la o nome do lugar.

Paramos em Mytilene, nem vou escrever muito pois nao tem nada la para se olhar.
Andei um pouco, desanimei, sentei no porto e tomei tres cervas EFES antes de voltar para o batente, estava numa tristeza de dar pena, sentindo pena de mim mesmo por ter que aturar essa vidinha por mais seis meses. Dizem que pode-se obter condicional ou extensao dos banhos de Sol por bom comportamento, mas eu duvido.
Esta eh a prisao perfeita pois... ...so se atirando no mar para sair daqui, se bem que as vezes a ideia de me atirar aos tubaroes soa menos dolorida e mais eficaz/rapida de acabar com minha vida.
Seis meses a frente, meu Deus, nem sei como vou aguentar esta tortura com leves momentos de agonizante prazer, pois sempre fico com aquele gosto de quero mais quando deixo um dos paraisos para voltar ao inferno do navio. Numa escala de um a dez de stress, estou batendo perigosamente nos 8.25, estou mais agressivo, irritado e mau-humorado e estou comecando a implicar com algumas pessoas que sinceramente, me irritam.
Amanha voltamos a Kusadasi, um porto que eu simplesmente amei, desta vez nada de ficar zanzando pois ja conheco o lugar - quero um almoco completo, de gente de verdade com direito a sobremesa e cafezinho no final so para dizer quem eh que manda no corpo e na alma do Ricardo. A impressao que temos eh que a empresa te possui e pode fazer o que quiser de voce (o Drydock provou isso) mas minha mente continua wild and free. O mundo estara em meu bolso ao final deste contrato - se conseguir resisitir isso tudo, vou virar monge, alcancar o Nirvana.

Por enquanto, longe disso. Quero espancar, pilhar, roubar e matar - estou me tornando um pirata.
Pior, parece que fui vendido como escravo pra eles.

domingo, maio 11, 2008

Mais um cruzeiro, menos um cruzeiro.

As pessoas contam o tempo que vão passar aqui em dias, meses, semanas e isso com certeza não me ajuda – eu conto cruzeiros, cada vez que um acaba e os passageiros descem, um kilo a menos sai das minhas costas, por enaquanto tenho mais 12 kgs. Para tirar das costas ( o mesmo número de kilos que eu perdi, gozado isso).

Agora, atracados no porto ou não (muitas vezes estamos em tendering, o barquinho que leva e traz as pessoas quando estamos longe do porto mina as horas que eu tenho para passear) eu saio nem que seja para tomar um café do lado de fora e voltar, tudo que eu quero é sair e ver as pessoas, os lugares e principalmente a comida local.
Em Olbio, Itália, sentei-me em um boteco à beira-mar e tomei três cervejas antes de voltar a trabalhar, era feriado no lugar e a cidade tem aquele clima de cidade do interior do Brasil que me deixou completamente à vontade. Nesse dia, só queria cerveja e calma, mais nada, tinha até um vira-latas local para brincar. Em Santorini, quis apreciar a vista local e a comida, tomei a cerveja Mythos e pedi Tzaziki com Pão e pepino e tomates acompanhados de uma salada de carneiro divina, regados ao azeite local e pão pita soberbamente tostado e preparado em um terraço de um restaurante familiar muito simples e simpático, Renata, uma das brasileiras à bordo sempre me deixa pedir a comida, sou seu personal chef.
Em Rhodes, tomei café apenas e zanzei pelo forte da era Bizantina do século XIV, fiz umas comprinhas nas lojas locais (muito legais) e voltei apreciando a visão do mar quebrando nas muralhas e pedras que envolvem a cidade velha e porto, em Kusadasi, mais comércio local (as falsificações são as melhore que já vi) podendo escolher entre Gucci, Diesel e tantas outras marcas que você jamais teria dinheiro ou coragem de comprar, vi Ipods dentre burcas e mesquitas, carros e cavalos, o cheiro do chá de maçã em todas as portas e o Sol que castigava minha pele era um alívio após tantas horas enfurnado em ma cozinha sem janelas.
Istambul. Ah Istambul.
A expectativa sobre Istambul era grande, três dias atracados com dois overnights, na primeira noite fomos a um dos milhares de narguilés cafés, sentamos em confortáveis sofás sob lonas e tapetes e fumamos o tal negócio, álcool é proibido pois 90% da população é muçulmana mas acreditem, não fez falta alguma – tomamos chá e café turco (o chá parece do Ceilão, mas com gosto melhor) e não feliz, fui em busca de um Kebab (a versão original do espetinho) e comprei em uma barraca que vi à tarde enquanto passava e me chamou a atenção – através do vidro vi os tomates mais firmes e vermelhos possíveis, pimentões multi-coloridos que fariam os nossos ficarem mais vermelhos de vergonha e mais verdes de inveja, tudo na Turquia exige paciência, ao contrário dos nossos ambulantes, que te entregam o mais assado disponível, o cara daqui faz na hora, corta os vegetais na hora, tosta a folha de pão na hora e põe temperos frescos (páprica, pimenta vermelha e pimentas misturadas em pó locais) enrolando a carne de carneiro, salada e tudo no pão. Dos Deuses, salve Alá.
Durante o dia, tive folga de três horas e meia e fui explorar o centro da cidade – um congestionado de pessoas, milhares de lojas barracas onde pode-se encontrar de tudo (mesmo) e parei num restaurante local cheio de pessoas locais para uma refeição. Inglês, linguagem, aqui é um sonho distante, dei o meu melhor para pedir a comida e não fui desapontado, quatro pães deliciosos acompanhados de salada verde com tomates, pimenta vermelha fresca, pimenta verde (não picante porém saborosa) e sobre arroz e batatinhas, um Kebab de carneiro feito na brasa intercalando carne e cubinhos da gordura do bicho. Olhando o prato todo, parecia pouca comida, comendo, foi um banquete.


Vi os turcos fazendo suas orações nas Mesquitas, onde geralmente são também as tumbas dos Sultões, o mercado com azeitonas, queijos, temperos era simplesmente de fazer o coração acelerar, não se consegue não provar um pouco de tudo.
Parece que ninguém trabalha às vezes, estão todos reunidos nas portas dos comércios, cafés e tendas locais em grupos de homens, tomando chá, fumando e batendo papo.

O sonho termina hoje, quando zarpamos novamente com destino final em Veneza, Istambul é misteriosa, seus cheiros e cores são demais.
No trabalho, me frustrei quando a minha mudança de estação de trabalho furou, ainda penso em homicídio e tento não pensar nos doze cruzeiros à frente, dei um leve tapa com luva de pelica no chef executivo hoje e passei a manhã enfurecido com falsas promessas e falta de coragem dele em dizer que estava não me mudando para posições melhores, quando minha vontade era enfiar um espeto de frango do tamanho da minha perna na cabeça dele e torcer. Stress ? Nem vou começar.

Em compensação, isso automaticamente ligou o meu foda-se, trabalhei como se não houvesse amanhã, após ter ido perguntar o que seria de mim e descobrir que de verdade, não importa o suficiente para ser comunicado que as coisas não vão mudar ou que talvez eu gostaria de saber onde trabalhar de manhã, a situação ganha perspectivas engraçadas, ou nenhuma, a não ser de que estarei fazendo as mesmas tarefas chatas mais dois meses como um assistente qualquer.

Vou voltar à masmorra agora. 60 dias após, ainda odeio estar dentro do navio.
Mais um cruzeiro, menos um cruzeiro.

As pessoas contam o tempo que vão passar aqui em dias, meses, semanas e isso com certeza não me ajuda – eu conto cruzeiros, cada vez que um acaba e os passageiros descem, um kilo a menos sai das minhas costas, por enaquanto tenho mais 12 kgs. Para tirar das costas ( o mesmo número de kilos que eu perdi, gozado isso).

Agora, atracados no porto ou não (muitas vezes estamos em tendering, o barquinho que leva e traz as pessoas quando estamos longe do porto mina as horas que eu tenho para passear) eu saio nem que seja para tomar um café do lado de fora e voltar, tudo que eu quero é sair e ver as pessoas, os lugares e principalmente a comida local.
Em Olbio, Itália, sentei-me em um boteco à beira-mar e tomei três cervejas antes de voltar a trabalhar, era feriado no lugar e a cidade tem aquele clima de cidade do interior do Brasil que me deixou completamente à vontade. Nesse dia, só queria cerveja e calma, mais nada, tinha até um vira-latas local para brincar. Em Santorini, quis apreciar a vista local e a comida, tomei a cerveja Mythos e pedi Tzaziki com Pão e pepino e tomates acompanhados de uma salada de carneiro divina, regados ao azeite local e pão pita soberbamente tostado e preparado em um terraço de um restaurante familiar muito simples e simpático, Renata, uma das brasileiras à bordo sempre me deixa pedir a comida, sou seu personal chef.
Em Rhodes, tomei café apenas e zanzei pelo forte da era Bizantina do século XIV, fiz umas comprinhas nas lojas locais (muito legais) e voltei apreciando a visão do mar quebrando nas muralhas e pedras que envolvem a cidade velha e porto, em Kusadasi, mais comércio local (as falsificações são as melhore que já vi) podendo escolher entre Gucci, Diesel e tantas outras marcas que você jamais teria dinheiro ou coragem de comprar, vi Ipods dentre burcas e mesquitas, carros e cavalos, o cheiro do chá de maçã em todas as portas e o Sol que castigava minha pele era um alívio após tantas horas enfurnado em ma cozinha sem janelas.
Istambul. Ah Istambul.
A expectativa sobre Istambul era grande, três dias atracados com dois overnights, na primeira noite fomos a um dos milhares de narguilés cafés, sentamos em confortáveis sofás sob lonas e tapetes e fumamos o tal negócio, álcool é proibido pois 90% da população é muçulmana mas acreditem, não fez falta alguma – tomamos chá e café turco (o chá parece do Ceilão, mas com gosto melhor) e não feliz, fui em busca de um Kebab (a versão original do espetinho) e comprei em uma barraca que vi à tarde enquanto passava e me chamou a atenção – através do vidro vi os tomates mais firmes e vermelhos possíveis, pimentões multi-coloridos que fariam os nossos ficarem mais vermelhos de vergonha e mais verdes de inveja, tudo na Turquia exige paciência, ao contrário dos nossos ambulantes, que te entregam o mais assado disponível, o cara daqui faz na hora, corta os vegetais na hora, tosta a folha de pão na hora e põe temperos frescos (páprica, pimenta vermelha e pimentas misturadas em pó locais) enrolando a carne de carneiro, salada e tudo no pão. Dos Deuses, salve Alá.
Durante o dia, tive folga de três horas e meia e fui explorar o centro da cidade – um congestionado de pessoas, milhares de lojas barracas onde pode-se encontrar de tudo (mesmo) e parei num restaurante local cheio de pessoas locais para uma refeição. Inglês, linguagem, aqui é um sonho distante, dei o meu melhor para pedir a comida e não fui desapontado, quatro pães deliciosos acompanhados de salada verde com tomates, pimenta vermelha fresca, pimenta verde (não picante porém saborosa) e sobre arroz e batatinhas, um Kebab de carneiro feito na brasa intercalando carne e cubinhos da gordura do bicho. Olhando o prato todo, parecia pouca comida, comendo, foi um banquete.


Vi os turcos fazendo suas orações nas Mesquitas, onde geralmente são também as tumbas dos Sultões, o mercado com azeitonas, queijos, temperos era simplesmente de fazer o coração acelerar, não se consegue não provar um pouco de tudo.
Parece que ninguém trabalha às vezes, estão todos reunidos nas portas dos comércios, cafés e tendas locais em grupos de homens, tomando chá, fumando e batendo papo.

O sonho termina hoje, quando zarpamos novamente com destino final em Veneza, Istambul é misteriosa, seus cheiros e cores são demais.
No trabalho, me frustrei quando a minha mudança de estação de trabalho furou, ainda penso em homicídio e tento não pensar nos doze cruzeiros à frente, dei um leve tapa com luva de pelica no chef executivo hoje e passei a manhã enfurecido com falsas promessas e falta de coragem dele em dizer que estava não me mudando para posições melhores, quando minha vontade era enfiar um espeto de frango do tamanho da minha perna na cabeça dele e torcer. Stress ? Nem vou começar.

Em compensação, isso automaticamente ligou o meu foda-se, trabalhei como se não houvesse amanhã, após ter ido perguntar o que seria de mim e descobrir que de verdade, não importa o suficiente para ser comunicado que as coisas não vão mudar ou que talvez eu gostaria de saber onde trabalhar de manhã, a situação ganha perspectivas engraçadas, ou nenhuma, a não ser de que estarei fazendo as mesmas tarefas chatas mais dois meses como um assistente qualquer.

Vou voltar à masmorra agora. 60 dias após, ainda odeio estar dentro do navio.

quarta-feira, abril 30, 2008

Fotografia.

Photograph.

Fotografia.

Em minhas parcas horas livres, eu me sento com meu Ipod ligado no Crew Mess (cafeteria) entornando xícaras de café e sento-me num cantinho para evitar contato visual e verbal com as pessoas, sobretudo d manhã, quando me sinto cansado e nem comecei minha jornada de 10 horas ou mais, nesses minutos eu penso na vida e tomo minhas decisões, avalio meus atos e me arrependo de algumas coisas como qualquer mortal. Qualquer tentativa de me trazer de volta à realidade é retornada com um rosnado curto e grosso, visto que é um dos únicos momentos em que me sinto à vontade comigo mesmo.
Estava ouvindo Moby, Porcelain – e me transportei para as praias de Bali, senti o cheiro e sabor daquele lugar novamente, os cheiros do restaurante ond trabalhava na época, do produto que usava para limpar as mesas à tarde, da casa em que morava em Auckland e das pessoas que estavam ao meu redor. A vida não era um mar de rosas naquela época, mas lembro-me com satisfação estes momentos como s tivesse sido o cara mais feliz do mundo, fantasio que tinha mais dinheiro e disposição (talvez tivesse) e que as pessoas eram mais gentis... ...penso se vou me lembrar desta experiência com o mesmo carinho, mas eu sinceramente acho que não, vou lembrar e deixar como uma coisa que fiz apenas, talvez para ter o que contar para os outros, como se gabar de trabalhar feito um jumento por uma grana pífia fosse alguma coisa para se gabar sobre.
Qual será a música que ma fará lembrar daqui ?

Este cruzeiro eu já estou mais habituado, menos sensível as pessoas e mais cansado, sobretudo até porque estão já comparando este cruzeiro aos do ano novo e isso não pode ser nada bom.

Olho para os dois meses atrás e sinto tão distante, assim como olho para os seis restantes sem de verdade enxergar o fim deles, estou à deriva e não sei para onde nadar mas dizem que a partir de quatro meses (!) a coisa começa a ficar fácil, o que duvido muito e não sou otimista por natureza – tudo neste emprego é esperar pelo pior, desde o treinamento medico até o de resgate e administração de pessoas em situação de emergência todos adquirimos aquele olhar de “espero pelo pior, eu vi o pior” e isso faz de nós a equipe que te sorri enquanto troca aquele prato que você não gostou por ter cebolas – sabemos que se você engasgar, sua vida vai depender do nosso treinamento em Heinmlich ou seja lá como chama a manobra. E se isso acontecer, nossos passageiros ainda podem nos processar, oh vida.

Mas voltando ao assunto, fotos me vêem à cabeça enquanto as músicas passam, pessoas e lugares, nada aprisiona mais o futuro às vezes do que o passado e apesar de estar nesta posição de incerteza os tais seis meses não me parecem perto, mas possíveis apenas.

Tive que tomar a decisão de deixar o Brasil para trás, estava com um pé no barco e outro na terra, o barco se afastando cada vez mais e eu quase caindo na água para me afogar, disse tchau para o Brasil e decidi entrar de vez no barco, o Brasil, a minha cidade, os rostos das pessoas, difícil conviver com o Brasil, difícil deixa-lo.

A dor da saudade e do arrependimento diminuem um pouco a cada dia, parece que ficamos mais entorpecidos por esta vida e pelo trabalho sem perceber, o que me traz de volta à vida são as paradas em que posso descer e apreciar a vista, parece que nunca mais vou voltar à bordo e hey, terei 5 horas para ver Roma este cruzeiro por um milagre. No próximo cruzeiro estarei em posições novas na cozinha e vou mudar de restaurante à noite, onde terei um grelha só para mim, dizem que é minha chance o que pode até ser, mas não quero fazer carreira aqui de jeito nenhum. Por mim, podem me por pendurado no mastro cozinhando tartufos bianchi e lagostins que não dou a menor, mas me livrar da tortura de Bombay vai ser um puta passo em direção ao final deste contrato.

Não posso apagar o Brasil, não posso desistir daqui agora, não corra, não mate não morra.

Todos os dias que aprendo um prato novo,imagino se seria legal cozinha-lo para meus amgos no Brasil, quem iria adorar, etc... Ainda estou muito apegado à tudo lá, mas um certo desapego se az necessário para a sobrevivência em ouros lugares, países, cidades e decisões – este é um divórcio difícil, até porque ambas as partes estão exigindo muito... ...eu queria tudo.

domingo, abril 27, 2008

Tem dias e dias. Um so, para falar a verdade. Stuck in a Moment.

Barcelona foi uma decepcao dupla para mim.

Eu simplesmente amo olhar, falar o nome de Barcelona mas a verdade eh que nao pus os pes na cidade ainda, uma vez era minha cor (nao pode descer no dia que tem tal cor marcada no seu cartao de seguranca) na outra, eu achei que estariamos atracados longe da cidade e ao inves de acordar cedo eu passei as tres horas de folga dormindo de manha, para descobrir que estavamos atracados a cinco minutos do centro quase me matou, fora que em Barcelona a tripulacao que termina o contrato desce quase toda juntos e a cada tchau eu pensava "porque nao sou eu ?" e com algumas pessoas eu disse tchau com lagrimas nos olhos pois odeio despedidas principalmente porque eu quero deseperadamente que meu dia de ir embora sem olhar para tras chegue logo.

Todos os dias aqui parecem segunda feira, e todas as noites parecem domingo sem que saibamos que dia estamos do mes, da semana e as vezes em qual porto atracamos - parece estarmos vivendo o mesmo dia continuamente em um infinito espiral que termina quando voce fala "adeus" e caminha com suas malas para o futuro incerto porem mais interessante que este eterno estatico em que estamos. Somos todos cegos perante ao mundo que se desdobra diante de nos, apesar de estarmos em todo lugar e lugar algum.

Por mais que eu tente fazer de cada dia unico, cada vez mais eles se repetem e se entrelacam pelos mesmos menus, lugares, roupas, cheiros, pessoas. Eu simplesmente nao consigo pensar que as coisas possam ficar muito mais interessantes que isso e preciso ter paciencia com o que nao move ou da sinais de se mover, essa passividade me irrita as vezes, quero esmurrar alguem no nariz para agitar as coisas, correr nu pela cozinha (evitando areas quentes e de fritura por favor) pois estou cansado de pensar todos os dias as mesmas coisas, as mesmas saudades, quero ter saudades diferentes tambem e quero muito mais da vida do que passar os ultimos anos da juventude trancafiado neste sonho as avessas... minhas expectativas sao bem maiores que isto aqui, minha vida tem que ser mais ampla que este vazio todo que sinto.

Parece que estou preso em um momento e nao consigo sair, como diz a musica.
E como diz a musica, vai passar. A dor que senti eu nao vou esquecer, mas que vai passar, isso vai.

PS: credo, to serio hoje.

sábado, abril 26, 2008

Ray of Light


Eu vi a luz, amigos.

A luz, estava la, brilhante e ofuscante e essa luz esta mais perto de mim do que eu imaginava - Monaco eh luz companheiros, eu nasci para estar em Monaco e nao queria sair de la por nada neste mundo.
Tudo acontece muito rapido em Monaco, as pessoas passando, os carros, a F1, os barcos, avioes, luzes, lojas...

Ao deixar o porto eu nao esperava tanto assim, confesso, mas o pouco que vi de Monaco me deslumbrou, as arquibancadas e boxes da F1 ja estavam sendo montados, os iates ja estacionados no porto para poderem ter a vista da corrida (que eh so no mes que vem) alem das pessoas, as lojas (carissimas) e o melhor sorvete que ja tomei na vida estao todos aqui, me empolguei tanto que comprei o bone oficial da escuderia Ferrari para meu irmao pela bagatela de 32 euros (melhor nao pensar muito nisso) joguem minhas cinzas em Monaco e aproveitem a viagem,por favor.

Os carros passando, Ferraris Tunadas, Bentleys, Porshes, as pessoas cheiram a dinheiro, carregam suas sacolas das lojas carissimas batendo papo e carregando um poodle dentro de uma Louis Vuitton (de verdade, nao da 25 sua pobre !) e falando ao celular, estranho como todos parecem estar falando ao celular naquelas ruas, essas pessoas ricas sao muito ocupadas, Deus me livre ser milionario e poder comprar o que eu quiser (neste momento, tive um flash, eu riquissimo, comprando este navio so para ter o prazer de afunda-lo enquanto todo staff enche a cara de champagne) nao, nao desejo isso para ninguem, qual a graca de ser rico ? Ir para Monaco seria uma delas.
Eu moraria em Monaco, para o resto de minha vida.


De volta a dura realidade do navio, cheguei ao trabalho nem ligando se estava certo ou errado, assim ou assado, meu CDP pode dar piruetas e morder as minhas orelhas que minha alegria nao poderia ser estragada, com certeza. Pena que alegria de pobre dura pouco, pois a noite que tive no Polo Grill foi simplesmente avassadora, estrupraram nossas geladeiras, servimos comida ate nao termos mais quase nada para servir, minhas maos suavam e ardiam, o suor pingando de meu rosto enquanto sentia as veias de minha testa dilatadas pelo calor da area de trabalho (uns 50 graus) mais a correria dos movimentos constantes e corridas entre geladeiras e fornos em busca de mais ingredientes e reposicao - gritos, urros, berros e sussurros foram proferidos mas todos vencemos a batalha com vida, obrigado. Mais uma comanda e sairia daquela cozinha com uma faca de 60 cms. dizimando os passageiros, seria uma carnificina e tanto. Deus teve pena deles.

Mais e mais pessoas estao indo embora para suas ferias (ou suas vidas verdadeiras, sei la) e eu ficando sempre, parece sempre que eu sou o proximo apesar de saber que isso vai demorar mais seis meses, ainda tenho dias de pura depressao como hoje, esta tarde tudo que queria era chorar e chorar, ou esmurrar alguem, ou pedir demissao e desistir desta merda toda que ninguem merece.

O trabalho eh a mesma merda, nao importa que eu faca tudo certo, ou nao, meu CDP ainda gosta de me ferrar, dar bronca, achar que faco tudo errado (nao do jeito dele) e agora insinua que eu nao quero aprender a fazer mais por preguica, quase mandei ele a merda, mas me contive e segui em frente, ele eh a unica coisa entre eu e a Europa neste momento, entao firmeza ate Novembro e preparo para minhas ferias.

O tempo na verdade passa muito rapido por aqui, sao quase dois meses, apesar de haver momentos em que parece tudo estatico, mas a correria daqui, o Sol nasce e se poe sem que eu veja, as cozinhas, as pessoas andando sem parar, indo e voltando de ferias, os passageiros saem e entram, malas entopem os corredores e minutos depois sumiram e foram despachadas para seus donos, as luzes das maquinas do cassino, os pratos passando pelas lampadas aquecedoras, os garcons e suas bandeijas...

Like a Ray of light.


Quero agradecer a todos que deixam comentarios no Blog, Tocha, Guz, Laura (muito prazer) e reafirmar morte sangrenta e doentia a todos que nao me escrevem por puro prazer em me torturar. Como digo, que as pulgas de mil camelos piquem o c# de voces.

Ate mais !

sábado, abril 19, 2008

Like a Virgin.



Like a virgin, touched for the very first time...

Quando eu canto essa musica saindo da area de lavagem de equipamentos (onde ficam assadeiras, panelas, etc...) algumas pessoas ja sabem de uma coisa - vale saber que as assadeiras e demais utensilios estao sempre em falta e sao disputados a tapa pelos cozinheiros - que em minha pressa, peguei a primeira assadeira abandonada e joguei na pia de agua quente porcamente, dei um tapa e sai com ela nas maos "like a virgin... huh.. " mas ate me deu o que pensar hoje, sobre como estamos sempre recomecando tudo do zero. Entrei nesta cozinha e tive que aprender a andar com um navio em movimento, falar o idioma local (que definitivamente nao eh so ingles, varias palavras e girias internas) e saber o que sao as coisas e onde encontra-las assim como um bebe descobre o mundo, e da pior maneira possivel, caindo, batendo e balbuciando sem conseguir se comunicar.

Aos 32 anos, recomecar tudo e decidir por uma (nao muito promissora) profissao eh simplesmente muita bravura ou burrice, talvez um pouco de ambos, confesso. Mas hoje em dia, estou mais integrado ao navio e nao tenho mais acessos de depressao tampouco tenho vontade de pular na agua e alimentar os felizes tubaroes (nem tao felizes, pois perdi dez quilos durante estes meses e tive um reencontro inesperado com minhas costelas) mas agora eu consigo ver possibilidades e para falar a verdade, nao me mato, nao corro sem necessidade nem estou nem ai para as advertencias que levo diariamente (as vezes nao estou devidamente barbeado,esqueci alguma coisa de minima inportancia..) mas foda-se, a bronca eh a mesma entao tocarei minha vida nessa carruagem louca e desenfreada que e a cozinha.

Meu relacionamento com meu Chef de Partie melhorou, hoje em dia estamos em lua-de-mel com ocasionais episodios de furia (era o oposto) estou mais disciplinado e minha atitude em relacao as coisas aqui esta mudando tambem, estou menos combativo e mais paciente e na verdade nao dou uma merda para o que pensam de mim - realizei que o meu sozinho, a solidao que sentia aqui e uma solidao boa, um tempo para me conhecer melhor e para aprender a aturar as agruras da vida, essa puta ingrata que vezes te acaricia com uma leve brisa, ou outras com uma lixa metalica no traseiro.
Hoje, paramos em Malta de novo e desta vez decidi descer e andar, tudo que queria era andar e andar assim como Forrest Gump, sem destino e sem uma so pessoa perturbando minha cabeca (que ultimamente eh um bairro barra pesada, voce nao gostaria de entrar la a noite) e fui contente da vida pelas ruas desertas de Malta com meu Ipod e oculos escuros enfiado em um bermudao e havaianas. Andei pelo centro onde parei e tomei os dois melhores cafes da minha vida, vi Igrejas, pracas, monumentos, tudo que poderia em duas horas e pouco. Parei no charmoso porto de malta e pedi uma limonada com bastante gelo lendo minha recem-comprada Vanity Fair enquanto apreciava a vista do fim de tarde, o fato de ter que ir trabalhar em meia hora desta vez nao estragou o momento, foda-se o que venha depois disso, tudo compensa - parei na Duty Free e comprei tambem uma garrafa de vinho local, so nao enchi a cara porque dai fica ruim trabalhar, mas que a vontade de tomar uma cerveja bem gelada so para implicar era grande, ah isso era. Mal poderia acreditar que em meia hora, estaria chutando coisas, gritando com pessoas, fazendo frigideiras voarem e carregando kilos e kilos de frango para assar, nao, hoje esses momentos nao existiriam, nem o maldito acougueiro poderia destruir meu bom humor, nem a banda KY, nada alem do ceu desabar em minha cabeca... eram so eu e Malta, pela primeira vez em tempos estava sozinho e feliz. Pessoas me perturbam. Geralmente.

Andei por mais de uma hora, sem parar, vendo as casas e castelos, ruinas, pracas, tudo a minha volta tinha aquele tom de dourado que nao sei explicar, os turistas so poluiam a minha visao perfeita. Amanha, estarei pronto para mais um porto, mais um sonho, errante e intrinseco rumo ao resto do mundo. Sozinho.

Feliz por isso.
 
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