quarta-feira, março 30, 2005

Tatler: paixao e odio.

Ao me lembrar da primeira vez vez que entrei no Tatler, estava recem-chegado de uma peregrinacao de mais de 4000km em minha moto 100cc. para passar o ano-novo em Queenstown, e decidi ficar aqui ate a hora de pegar meu voo de volta para o Brasil dia 15 de Fevereiro, precisava de um emprego para pagar o lodge onde estava hospedado e uma graninha para gastar na balada de Queenstown.
Apos Auckland, todo o trabalho duro, a falta de reconhecimento (a minha falta de compreensao sobre a industria ajudou a ser um mimado empregado que odiava ser contrariado) me ensinaram que eu nao deveria a qualquer custo pegar o primeiro emprego que aparecesse, nem por miseras quatro semanas ainda que fosse, estava no fim da minha paciencia e estava decepcionado demais por nao ter conseguido um visto para permanecer mais na NZ e enquanto circundava a cidade em busca do emprego ideal, me deparei com este templo ao bom gosto que e o lugar : todo em madeira envernizada tipo nougat, luminarias e apetrechos de bar em cobre e uma sobria cortina de veludo dividindo o salao o lugar era tudo o que queria - podia me ver detras daquele bar, ou circulando pelas mesas rindo, fazendo gracinhas e encantando os clientes em troca de generosas gorjetas (que, tinha ouvido falar, sao generosas em Queenstown) e entrei com a maior cara-de-pau, barbudo, cabelo descolorido e botas pesadas pedir pelo meu lugar ao Sol. Cheguei ate a beira do bar aonde, o bartender (e gerente) estava distraido e quando falei oi, ele se virou e me mediu de cima a baixo - ele era magro e alto, cabelos curtissimo sem um so fio fora do lugar, uniforme impecavel e um sotaque ingles de botar lordes no devido lugar, quem diria o brasileiro tampinha prostrado em frente ao balcao - "to procurando emprego" anunciei em voz alta em meu ingles macarronico que devem ter ferido os timpanos da criatura que sem sequer mover uma pestana me pediu um curriculo na esperanca e certeza de que eu NAO possuia um, e que me mandaria para sempre de la e parasse de infectar o ambiente com minha indesejada presenca. No dia seguinte, consegui emprego de garcon em um restaurante indiano por um salario de merda e o staff do lugar mais parecia uma mafia do que colegas de trabalho, o lugar parecia escuro e sem vida alguma e de alguma forma, sabia que aquele nao era o lugar para mim, o Tatler parecia mais e mais o Olimpo dourado dos garcons. Voltei no dia seguinte com um CV em maos, de barba feita, cabelo escovinha (emprestei a maquina de cortar de uma amiga) e jaqueta de couro marron bem-cortada e o tratamento agora foi diferente, ao inves do gerente me olhar como uma barata de esgoto agora ele me via como uma barata voadora, insistente e perigosa na proximidade que passa pelo seu rosto - pegou meu curriculo e antes que eu cruzasse a porta, me vierei para ver o que ele faria com a folha, e alias nao fui decepcionado, fiz milhares de vezes isso em Auckland, enfiou o CV em uma pasta com milhares de papeis que provavelmente jamais seriam lidos e iriam, em uma semana para a "Cesta" sessao.
Nao me dei por vencido, e nao apareci na mafia indiana para trabalhar pois enfim realizara que aquele nao era o lugar, aquelas nao eram as pessoas e eu nao era exatamente a pessoa certa para se trabalhar em um lugar cheio de indianos, morenos e baixinhos, e seria eu la - bem no meio, louro, olhos azuis e um pouco agigantado para os padroes. Enquanto ainda pensava em como me enfiar no Tatler, Eduardo, carioca e lavador de pratos amador do Tatler me aparece dizendo que estava se mandando para trabalhar em um hotel e que haveria uma vaga no Tatler, por assim dizer disponivel, mas eu nunca havia lavado pratos ou trabalhado em cozinha em minha vida, ate ai, nada a ver - mas ele conhecia o dono e tinha falado de mim pro cara havia cinco minutos, ele TINHA O CONTATO que eu precisava para passar por cima do gerente, o dono chama-se Grant e mais que depressa me mandei para la com o cartao de visita do homem decorando o nome, aquele cartao preto e impresso em letras classicas brancas.
Cheguei chegando, e entrei feito uma bala ate o balcao e novamente o gerentinho encardido estava lah, no lugar de costume atras do bar e nao falei mais nada : perguntei se podia falar com Grant.
"O que voce quer com ele ?" retrucou com o ar mais desconfiado do mundo, dizendo que ele estava ocupado e em minha cabeca o mundo parou por alguns segundos e agora a cena congelada a minha frente e as opcoes apareciam em uma legenda em minha cabeca:
a) Soco esse almofadinha e passo correndo pelas escadas ate o escritorio;
b)Digo que sou da inspecao sanitaria da NZ, e que tenho seriedade em falar com o dono;
c)Grito "FOGO" e aproveito a chance enquanto todos correm;
d)imploro;
Implorar, infelizmente pareceu a opcao mais sensata e menos divertida, entao comecei a dizer que tudo que queria eram cinco minutos do tempo dele, ate jurei que nunca mais apareceria por la caso eu nao conseguisse nada - mas tudo que queria eram cinco minutos com ele...
O homem sentado atras de mim, com uma voz firme e alta quase esbravejante disse "eu sou Grant, o que voce quer ?" e se levantou pondo-se ao alto dos seus quase 1,90m, cara marcada por uma adolescencia acneica, bochechas rosadas de beberrao e cabelos brancos desgrenhados e rebeldes, engoli em seco e disse que o Eduardo tinha me mandado.
No escritorio, ele se serviu de vinho (nao ofereceu) e me perguntou o que queria com ele, parecia um homem firme e justo, gostei disso e me peguei entrevistando ele para ser meu empregador; fui de uma sinceridade constrangedora e disse que queria trabalho por tres semanas, e que nao aceitaria um nao como resposta ate porque, aquele era o unico lugar na cidade aonde me via trabalhando, contei que nao tinha visto de trabalho e por fim, que tinha experiencia como garcon e bartender quando perguntado o que queria fazer. Ele disse que nao precisava, e perguntei pela primeira vez " do que voce precisa ?" - lavador de pratos durante o dia, ouvi, e pensei nisso como uma entrada pela porta de tras - aceitei e me mandei prometendo voltar no dia seguinte as dez da manha.
O resto, voces ja devem ter lido antes, ate ser contratado e ser treinado para Larder Chef (chefe de partida) e em um mes, ja sabia pelo menos 2/3 do que os outros dois iniciantes sabiam - e ai comecaram os problemas.
O sub-chef, na verdade era mais um assistente do Mark, a putinha dele, para ser mais preciso era Steve - loiro, olhos azuis e kiwi, estava sempre tentando me impressionar com seus truques de cozinha e para quem nao nos conhecesse poderia dizer que eramos irmaos gemeos , mesma altura, estrutura e aparencia nos tracos europeus e o mesmo cabelo acinzentado que cheguei a conclusao, nos odeia.
Exceto pelo fato do FDP me odiar do fundo da alma.
Todo e qualquer erro cometido por mim durante o dia era profusamente relatado para o Mark durante a noite, desde uma simples queima de um bolo de chocolate, ate o desperdicio de um tacho de Cremee Brulee, tudo era minuciosamente relatado na minha ausencia ou durante o jantar, momento em que Steve se sentava com Mark do lado de fora do restaurante para destilar o veneno. Mark apenas entrava na cozinha e me perguntava se realmente as pequenas tragedias haviam ocorrido, apontando Steve atras com o canto do olho - jogando lenha na fogueira, para ser mais correto - fomentando a "competicao" entre nos enquanto Steve ficava de costas fingindo fazer alguma importante e ouvindo tudo. Como eu sou incapaz de mentir se perguntado diretamente, sempre dizia a verdade e no futuro isso acabou fazendo toda a diferenca entre nos tres, ficou claro quem era o alcaguete e quem estava jogando sujo.
Certa noite, apos meses de enchecao de saco por parte do Steve (todos na cozinha sabiam o quanto ele fazia o possivel para me irritar) perguntei para ele o porque de tanta delacao, sendo que eu vira Steve fazendo altas merdas e nunca o joguei na fogueira, ao fato que obtive um "porque eu sou o Sub-chef, e voce nao, tenho responsabilidades" - isso trouxe meu sangue a temperaturas elevadas - e apenas disse que se estivesse em meu pais, lidando com um brasileiro e com as leis me protegendo, ele ja teria levado um soco bem no meio do nariz. A partir dai, a coisa ficou pior, mais dissimulada. Steve agia pelas minhas costas, punha garcons contra o meu trabalho e numa ocasiao, quando Mark saiu de ferias por uma semana, cortou minhas horas e fez de minha vida um inferno terreno mas aquilo foi um divisor de aguas para mim. Durante aquela semana, intoxicado pelo poder, ele comecou a dar ordens para Chefs com quinze anos de experiencia e simplesmente ferrou com os nervos de toda equipe, claro que o alvo principal era eu.
Na volta, todos reclamaram para o Mark durante o dia e eu so trabalharia a noite, ao passo de que quando cheguei, o barraco ja deveria estar armado. Eramos naquela noite, uma equipe de quatro pessoas, todos os chefs menos Steve, de folga, e na area quente estavam Craig e Mark conversando quando entrei.
Mark me perguntou se "Steve se comportou bem ?" ao passo que apenas de cara resignada falei que sim, sem nenhum problema e me virei para fazer a preparacao de minha sessao, enquanto eles trocaram olhares (fui saber mais tarde) e assentiam um para o outro, eu nao CAGUETAVA colegas de trabalho e incoscientemente, devo todo o respeito que a equipe me deu ao Steve, ate hoje alias, ele nao imagina o desservico que deu a si mesmo, e o beneficio que me entregou de bandeja.
A partir dai, ficou claro que eu era um dos caras, toda a equipe passou a ver raios de sol saindo do meu rabo (SIC).
Mais tarde, saimos para tomar uma cerveja eu e Steve e falei abertamente de toda merda que ele me fez passar, e agradeci - nao por nenhuma falsa modestia, mas se nao fosse por ele, eu nao seria atento ao que faco, nao procuraria ter tanto apreco por detalhes e provavelmente nao teria tanto respeito pela equipe. Fora do trabalho, Steve tem um coracao de ouro, mostra o quao inseguro se sente e ate hoje somos bons amigos - colegas de trabalho, jamais porem. Os meses restantes foram de puro trabalho duro e dedicacao, ataques de mau-humor, ataques de riso, e novos importantes membros da equipe dos quais falarei logo.
Estava comecando a achar possivel me tornar um chef, e quem sabe ate cozinhar, de verdade.

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