sexta-feira, janeiro 27, 2006

Diariamente, versao Auckland.

O despertador toca as tres da manha;
Me levanto com dificuldade, rolei durante e noite e acabei acordando em cima de minhas costelas quebradas que me urgem para que eu tire o peso de cima delas imediatamente, me sinto fraco e cambaleante no caminho até o banheiro onde engulo dois Panadols com agua da pia - me visto sem prestar muita atenção a cores e estampas ou qualquer outro senso fashion (quando chega a hora de me vestir para voltar para casa, parece que me vesti no escuro) e ponho mais quatro comprimidos no bolso por precaução: dois para as costelas e mais um para cada aprendiz de cozinha presente.
No caminho ao trabalho acendo um cigarro e paro no Starmart para comprar um Red Bull e mais cigarros, vou precisar do coice de cafeina rapidamente e viro de uma vez a latinha - comprei sugar-free como se precisasse - minhas roupas estão comecando a sentir largas e percebo que estou perdendo peso novamente, estou a caminho de me tornar uma tripa de nervos e ossos além de precisar me exercitar de outra maneira à de carregar caixas de óleo, preciso de exercicio real além de ser uma boa idéia sair debaixo das lampadas fluorescentes da cozinha de vez em quando e ver o Sol, pode-se ver minhas olheiras a kilômetros de distância.
Chego até a Skycity me arrastando após a longa subida (íngreme) da Victoria St., termino mais um cigarro e entro meio que me arrastando até o Guarda-roupas central, aonde peço meu uniforme depois de esperar em uma fila de dez minutos, as mulheres do lugar já me conhecem por nome e número de lote e vem com um uniforme limpo antes que eu peça.
Ponho meu uniforme e vou para o deck para fumantes degenarados que não merecem estar com as outras pessoas normais, tomo minha xícara de café preto instantâneo e fumo mais um cigarro enquanto penso em qual tortura psicológica irei infringir a um de meus aprendizes que nos deixou na mão ontem, fugiu no Sábado sem fazer a preparacao do Domingo (do qual que teve folga) o pequeno miserável terá de pagar com sangue e lágrimas como todos nós, chefs mortais, tivemos que pagar por nossos erros durante nosso longo caminho ao aprendizado.
Entro na cozinha e os FDPs da noite roubaram meu plástico-filme, minhas toalhas de papel e uns tantos utensílios valiosos em uma cozinha moderna, quero matar a tudo e todos. Oscar, nosso maníaco-depressivo-obssessivo Chef de Partie já está lá e comeca a me dar ordens e gritar antes que eu diga uma só palavra, ignoro e digo "Bom Dia" em um tom nada encorajador. Meu aprendiz chega, imediatamente digo que o pequeno ataque de preguiça dele parou três seções da cozinha e que a próxima vez que acontecesse eu o levarei para dentro da camara fria e farei ele soltar gritinhos e arrevirar os olhinhos; ele fica em silêncio por algum tempo e entra na geladeira de onde voltará segundos depois com um mini-pacote de frango defumado com o adesivo "use primeiro".
"Você pode me explicar isso ?" dizia o pequeno bastardo;
Senti a última gota caindo, minha veia que cruza a testa agora pulsava, a visão se tornando avermelhada:
"Talvez estivéssemos muito ocupados consertando a SUA MERDA para prestar atenção em 100grs. de frango !!! Ou talvez eu simplesmente não quisesse usar a sua merda de frango - enfim, EU NÃO ME REPORTO A VOCÊ SEU PEQUENO MERDA !!!
Foi um latido curto, alto e grosso (gosto da minha voz de manhã, as cordas vocais ainda frias dão um tom mais drástico) e até o Oscar está quieto agora, o aprendiz está exatamente aonde eu quero - de costas, quieto e com a cara enfiada no trabalho.
Motim contido, estou feliz por saber que mesmo não sendo mais o dono da cozinha, ainda não perdi o jeito.
Uma hora depois, o aprendiz toma coragem para me perguntar algo e todas sua frases e perguntas sãao precedidos por "Chef", nada como um bom latido para pôr as coisas em ordem, mas os aprendizes tomam muito o meu tempo perguntando coisas que amanhã irão esquecer e fazer todas as merdas logo em seguida e da mesma maneira, já estou atrasado para suprir os pedidos dos restaurantes e ainda tenho que ficar nessa perguntação toda... ...as caixas com as entregas chegam e ninguém se move para pôr tudo no lugar (visto que os aprendizes vão inevitavelmente pôr as mercadorias nos lugares errados, eu mesmo guardo) e a cada caixa de 20,30 kilos, sinto minhas costelas se movendo aleátoriamente dentro de minha pele, a sensação é mais a de um repuxo do que de dor e mastigo mais dois panadols prevendo a justiça divina.
As oito da manhã, quando os restaurantes vem buscar os pedidos o caos se instaura e ponho meus aprendizes para correr enquanto termino de empacotar, pôr etiquetas e separar os pedidos para cada outlet e só as nove e meia (atrasado) consigo me ver livre de tudo. Vou para o meu break, a masmorra para fumantes, tomar mais dois cafés pretos e tentar pensar no que vou precisar para amanhã e no que precisa ser comprado para amanha. Os comprimidos comecaram a agir e me sinto ligeiramente aliviado.
Volto, limpo minha bancada e saio pela cozinha atrás de minhas facas que aparentemente são de uso público, todos adoram minhas facas Victorinox, novinhas e sempre afiadas para me devolverem sem darem ao trabalho de limpar - mais um latido sobre as facas e volto a trabalhar : ainda preciso limpar e cortar 40 kgs de polvo e tentar cozinhar e embalar a vácuo antes de meio-dia.
Coisas a serem feitas aparecem do nada, e meu estomago é agora uma ácida combinação de Red Bull, café e analgésicos que em nada ajudam a enfrentar o dia, agora tento fazer os aprendizes terminar a preparação para amanhã SEM FALHAS, infelizmente sou responsável por estes merdinhas - tortura e opressão são as palavras-chave para definir o tratamento adequado.
Ás duas da tarde, consigo pôr tudo em ordem e estou pronto para ir embora, algumas pequenas coisas a fazer de última hora então duas e meia estou deixando a cozinha engatinhando até o vestiário onde posso amaldiçoar o meu armário que fica bem no meio do corredor principal e na parte de baixo - tenho que me agachar bem no meio do caminho de todos que estão passando, um saco.
Me visto e vou para o Palace - o nome não lembra em nada o lugar, apostem, mas tem uma cerveja decente a preços razoáveis e um ensolarado deck com mesas e cinzeiros enormes - o buteco pé-sujo aonde o staff se encontra após o turno. Peço uma pilsner, sento com os outros chefs e descemos a lenha na empresa como é de praxe. Acrescento o assunto "morte aos aprendizes" e todos queremos realmente matá-los de vez em quando, quem não sabe...
Vou para casa, como qualquer coisa que esteja facilmente disponível e caio duro no sofá, de onde só levantarei para banheiro/banho/cama e depois para o começo deste texto.
Vou entrar para a academia tão logo minhas costelas sarem, Deus me ajude.

PS:- Decidi escrever um livro, oficialmente, só preciso resolver umas paradas sobre o uso do computador (que em casa tem sido difícil, quando estou acordado, não posso usar) e preciso me sentar em frente a esta merda e só levantar pelo menos duas horas depois obrigatoriamente. Agora... falar sobre o quê, quando se tem uma vida como a minha, fica dificil...

Um comentário:

Anônimo disse...

Logo logo vc vai virar o Jason Voorhees das cozinhas, coitado dos comandados, em vez do facão, vc vai uzar sua victorinox....rsrsrsrsrsr...Abraços.....

 
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