sexta-feira, agosto 08, 2008

Insanidade.

Como descrever meus últimos dias aqui ?

Após uma gripe que quase dizimou toda a tripulação, um dia de folga (quase) dado pelo médico, uma crise de identidade ferrada, um pedido de demissão inesperado e muita heineken para regar tudo isso ( e poucas horas de sono), posso lhes adiantar que a vida jamais será a mesma neste navio.
Pedi demissão enlouquecido, chega, não agüentava mais esta vida ingrata de trabalhar dia após dia, miseravelmente sem ver o fim disso tudo, tomei a decisão e mandei ver, Barcelona seria meu último porto e pronto – sem destino, eu sou mesmo, não adianta tentar confiar em mim que não sou confiável para um monte de coisas e compromisso não é uma delas definitivamente, estou sempre de galho em galho não adianta até porque, cada tem sua vida para cuidar e pronto. Após a demissão, me senti melhor, com mais energia para trabalhar, mas dois dias se passaram e eu ainda estava em negação de quem era, quem sou e o que faço e o que faço de melhor para as pessoas deste bom mundo é cozinhar, na verdade é o único benefício que proporcionei à humanidade até hoje tenho certeza.
Cyril, Souz Chef, deixaria o navio no mesmo dia, estávamos à toda, um dos únicos amigos que fiz aqui também iria embora (mas com o contrato terminado) e eu me sentindo levemente desertor, que diabos, as poucas amizades que fiz ficariam para trás, voltar para fazer o quê ? Mendigar atenção de quem realmente tem uma vida no Brasil ?
Enlouqueci, pirei, passei um dia sem abrir a boca, meus torturados colegas de trabalho bem que tentaram mas estava em total insanidade, meu corpo está no limite, minha mente girava, o que estou fazendo da vida ?
A verdade, é que conheci um chef aqui que me fez repensar muita coisa, temos o mesmo comportamento errático, mesmas decisões tremendamente pobres em julgamento e não nos comprometemos com nada, ele sou eu daqui a dez anos e não sei se gosto ou não do que vejo pois ele me parece um desperdício de um cara muito legal e alguém que precisa ser salvo de si mesmo, não que ele seja destrutivo ( bem, todos somos até algum ponto) mas a história sempre se repete, a diferença é que ele aceita quem é e sabe que isso não irá mudar, enquanto eu brigo para não ter destino dele, talvez seja mais fácil aceitar quem sou e mandar tudo à merda, não sei.
Pirei, e pedi meu emprego de volta, vou terminar sim e depois que seja qualquer lugar no mundo que eu quiser.
A verdade é que quero saber o final da história (dele e minha) e torcendo para que seja feliz, na verdade é uma puta transferência mas quem se importa ?
Trabalho, enfim, as coisas continuam as mesmas, com alguns toques novos, mais responsabilidades, mesma grana, hoje atendi 15 pessoas sozinho no grill da piscina em dez minutos, parecia uma batedeira 110 em 220, eu sorria, virava, jogava hambúrgueres, decoração de pratos, batatas para fritar, pão para tostar, os tostex na prensa, tudo ao mesmo tempo agora, não errei um pedido mas parecia aqueles desenhos animados do pica-pau em que ele se divide em cinco e retorna a ser seu único eu em um piscar de olhos, um casal de americanos simplesmente não conseguia tirar os olhos de mim e depois pararam para comentar o quão rápido estava, o restaurante à noite foi um desastre, pedidos errados, comida faltando, o caos instalado, pode-se ver as bolsas escuras embaixo de meus olhos, minha barba cresce a cada minuto, pareço um desabrigado às vezes. Uma retardada de uma garçonete que trabalha lá foi mais de 50% da confusão, quero matar a anta – acabou espinafre, acabaram-se molhos, tudo saindo a la Minute, eu corria,meu novo assistente em seu primeiro dia, suava, pingava, amaldiçoava, e no final, mais um piti daqueles (cinco garçons implorando por toda a merda que eu não tinha mais disponível e que esqueceram de incluir nas comandas), gritei “quietos “ e perguntei o que cada um queria, olhos esbugalhados, chef me encarando, após várias respostas constrangidas, parei, fui buscar o que precisava no deck 4, e voltei para terminar esta merda de noite de uma vez por todas.
Estou cansado, derrotado, porém determinado a acabar com esta merda antes que acabem comigo, mas quer saber ? Sou também um daqueles caras que as pessoas querem salvar e que não querem ser salvos.
Fazer o quê ?
Eu sou quem eu sou, e faço o que eu faço. Pronto eu falei.
Quero salvar aquele pobre chef, dar um abraço e falar que tudo vai ficar bem, mas não posso, nem acredito nisso, pois não sei o que vai ser de mim, estamos na mesma barca sem remos que se tornou a nossa vida, sem salvar a mim mesmo, não salvo ninguém.
Acho que o negócio é mesmo tocar a barca. Até porque, estou sentindo-me estranhemente confortável aqui, abrigado do mundo real.

Isso não pode ser bom...
 
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