sábado, fevereiro 25, 2006

A casa vazia.

Acordei, o despertador berrava alucinadamente e tentei desligar às pressas sem me lembrar que estava sozinho.
Olhei em volta, tudo escuro, aquela escuridão que te faz cerrar os olhos igualzinho quando você está embaixo do Sol, a escuridão revela o que o dia escondeu ofuscantemente, é noite fechada e estou tateando meu caminho até o banheiro e tudo está ainda confuso em minha cabeça, não sei o que se passa e menos ainda por que estou de pé à uma da manhã. Leve contrito cerebral, o motivo é de que eu tenho que trabalhar pois o setor de convenções está pela hora da morte e precisam de heróis como eu (odeio ser herói - eles morrem primeiro, o cemitério está cheio deles) e a casa vazia ainda não entendi direito, preciso de mais alguns segundos.
Só as coisas que alguém não quis estão aqui, cabelos, traços de vida agora parecem fazer parte de uma mórbida,orquestrada e desorientante cena.
Vesti o que encontrei à frente (pelo menos eu passei a roupa ontem) e agora sei o porquê e a razão de estar sozinho, bem, sei não, mas imagino várias possibilidades que não satisfazem e penso também em ligar para o trabalho e dizer que estou doente - mas essa é uma daquelas coisas que penso quase todos os dias e não faço - saio ás pressas, corro enquanto ouço meu MP3 player à toda altura para silenciar meus pensamentos e em parte funciona mas tem essa partezinha do meu cérebro que ainda teima em pensar em coisas que eu evito. O dia seguiu com muito trabalho, e eu ainda pensava na casa vazia, nada se movia ali, talvez as persianas ao vento mas de resto tudo é inanimado, os móveis, as portas e janelas, os armários... ...tudo está a espera de alguém para colocar movimento e cor e eu não estou lá - sinto pena de minha casa até mas tenho que trabalhar.
Ao final do turno estou esgotado, moralmente e fisicamente, me arrasto até a rua e peço um café em copo descartável enquanto ando (MP3 à toda) não faço idéia do que vou encontrar em casa, talvez a casa esteja puta da vida comigo e tenha feito uma reviravolta, minhas coisas estejam espalhadas por todos os lados e a porta da frente não abra, talvez esteja em chamas, talvez o silêncio seja ensurdecedor.
Chego no portão do prédio (a casa não é uma casa, é um apartamento) e fico com receio de entrar, não sei mais o que vou encontrar, subo o elevador com receio e esperança de que alguma coisa tenha se movido ali mas quando abro a porta percebo que a casa está do jeito que deixei - escura, imóvel, silenciosa.
Entro com um suspiro e um grito : Querida, cheguei !!!! Logo após falo comigo mesmo "esqueci que não sou casado".
Tudo está do jeito que deixei, escuro até, abro as persianas e janelas e deixo o vento passar e percebo que o movimento e as cores voltaram em um flash - ela está aqui esperando por mim, aconchegante, viva e chutando.
Limpo os restos de vida deixados para trás, para não me nivelar ao que está nos cestos de lixo principalmente, faço uma rápida limpeza e me atenho em fazer minhas coisas de praxe : escrever, comer, lavar a louça, etc...
As coisas se encaixam novamente, estou sozinho mas em boa companhia - minhas coisas estão espalhadas à minha volta, retratos, roupas, livros, me lembram que tem uma vida ali sim. Olho o celular (que nem lembrei ou não quis pegar de manhã) e tem uma mensagem de um amigo de Queenstown, vindo para cá - que bom ter uma visita.
É domingo e deve ter alguma coisa legal passando na TV, vou fazer pipoca e relaxar...
Os problemas eu resolvo amanhã, de alma nova e descansado, quando é que foi a última vez que eu tive tempo para não me preocupar com nada ?
Estou agora exorcizando alguns demônios, como sempre, mas estou fazendo isso na segurança de meu lar - e é isso que eu preciso.
Eu preciso de um lar, não uma casa, decidi que nada pode me atingir aqui, na segurança de meu LAR.

Amanhã eu ligo para a imobiliária para avisar que estou me mudando - minha casa é qualquer uma, mas meu lar eu pretendo construir - ainda que sozinho.

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