quinta-feira, janeiro 07, 2010

A roubada. Master.


Todos os anos possíveis, vou com meu seleto grupo de amigos pescar (sim, apesar de não querer saber de onde vêm a comida que faço, eu pesco) pois além da chance de um mergulho ocasional de snorkeling, eu aprendo mais sobre peixes e frutos do mar do que qualquer livro poderia me ensinar.

Em uma manhã de Sábado estava dormindo em Juréia (ou tentando, pelo calor infernal) quando ouço buzinas e vozes me chamando pelo portão - levantei de shorts, sentindo os efeitos das 143 cervejas da noite anterior se instaurando, cabelos arrepiados e meu molde para clareamento de dentes firmemente aplicado no céu da boca quando encontro Maurício (filho, tem o pai)me dizendo "Corre, vamos pescar em Cananéia até terça", tudo que consegui balbuciar foi "que dia é hoje ?" e ele me diz Sábado. Cacete, saí correndo para todos os lados arregimentando roupas semi-limpas (estava há quase dez dias lá) pés-de-pato, máscara de mergulho, repelente, filtros solares (um rosto, outro corpo, perna direita, esquerda, etc...) e em cincom minutos, estávamos quatro de nós na estrada Iguape-Cananéia fazendo planos, cochilando, acordando enquanto meu estômago se contraia levemente para cima com súbitos impulsos descendentes. A coisa não ia nada bem.
A previsão meteorológica para a região era de chuvas constantes (60mm) e pensei comigo no momento em que estivéssemos na ilha do Bom Abrigo incomunicáveis, ilhados pela maré (o barco não conseguiria nos buscar) brigando à tacape por meio pedaço de rato que os abutres não quiseram, o prognóstico não era nada bom mas contive meus pensamentos e pensei no melhor : haveriam ratos para todos.

Em tempo, explico que a tal ilha não possui infra-estrutura qualquer além de um trecho de praia, água de bica potável tão gelada quanto a que tira de sua geladeira e atrás uma montanha de pedra que protege a mini-praia tornando-a mansa como uma lagoa (daí o nome Bom Abrigo, onde os barcos de camarão param para passar a noite) e onde acampamos todo ano.

Chegamos à cidade e fomos direto ao "portinho", um mini-porto que fica no corrégo principal que desemboca no mar e onde os pescadores locais estacionam seus barcos, carregam e descarregam equipamento e fazem pequenos reparos em busca de nosso futuro piloteiro que nos guiaria durante os dias de pesca e salvaria nossos rabos em caso de tempestades/tufões/mordidas de cobra. No portinho, deve-se perguntar ao Cinésio, um sujeito barbudo, magérrimo e ultra queimado de Sol, o que fazer, aonde ir, com quem falar. Todos os anos, encontro esse homem na garagem de barcos/oficina usando apenas bermudas, deitado em uma rede da qual não se levanta para conversar e geralmente circundado de dois ou três pescadores mais jovens que não abrem a boca (nunca os mesmos, ele troca o staff regularmente ou os mata, sei lá) me lembrando estranhamente uma cena do Poderoso Chefão, mafioso, ele geralmente fala devagar e nunca tem nada otimista a nos dizer. Perguntamos sobre lanchas de alumínio para alugar e o que soou foi mais ou menos o que o poderoso chefão diria "capo, nom tem lancha... ...só para a família... ...entende ? Se você REALMENTE quer uma, posso até arranjar, mas eu estou te fazendo um FAVOR... ".

Após a maledição do Cinestésico (sim, já apelidei) seguiu-se uma louca caçada pelas casas dos caras que conhecíamos para piloteiros, digamos que pescadores são como os caranguejos, queira agarrar um e ele se enfiará no buraco mais profundo o mais depressa possível, como pudemos comprovar nossos heróis não são de fácil acesso.
Após descobrir que os nossos dois caras estavam em Ilha Comprida trabalhando para sei lá quem, tentamos conferir a balsa para chegar lá e tentar convencer nossos piloteiros a não deixar os três japoneses e o turista branquelo morrerem em algum acidente marinho que poderia ser facilmente evitado não sendo um idiota que não conhece absolutamente nada do mar.
Ao chegarmos na fila, nos deparamos com... ...a fila, que ocupava a avenida da praia inteira e fazia a curva ao final dela - turistas em seus carros, lambuzados de filtro solar em seus chapéus e bermudas floridas, crianças por toda a parte, carros com música funk carioca à toda, a fauna toda esperada quando se vai à praia (Cananéia não possui praia, assim, todos tem que ir à Ilha para torrar o couro).
Estacionamos a caminhonete em um ponto mais calmo e os dois Maurícios (pai e filho) foram procurar nossos piloteiros em ilha a pé, enquanto eu e Akio (um japonês 2x2) ficamos para vigiar nossas tralhas na carreta da caminhonete (deixar dois motores de popa dando sopa em um lugar cheio de pescadores não deve ser sábio) ao passo que encontrei na próxima esquina um trailer com vista para o carro - chamei Akio e nos sentamos para comer e beber. O trailer era mantido por duas senhoras muito simpáticas que nos serviram de cerveja e mandaram um pratinho de mariscos ao vinagrete com azeitonas que eu não trocaria por foie gras, azedo, salgado, colorido com pimentões na própria conserva, perfeitos. Como a coisa prometia, pedi manjubas fritas enquanto Akio entornava a segunda de cinco garrafas de cerveja àvidamente, o calor agora começava a ser intenso. A porção chegou e era imensa, crocantes manjubas sobre salada com batatas fritas e uma porção de queijo prato em cubos com azeitonas em uma travessa que mataria um hipertenso em minutos.
Suamos, comemos, bebemos, meu estômago começava a dar sinais de recuperação lentamente, agora, só sentia o equivalente a leves socos sendo desferidos nele enquanto meu colega já sentia o leve entorpecer da cerveja batendo (a cerveja tomada embaixo de um Sol à 35 graus ambiente, não pode fazer bem) o rosto enrubescido e sorrindo à larga, alguém vai se divertir pelo menos, pensei.
Os Maurícios voltaram e o prognóstico não era bom: Todos os piloteiros estavam ocupados baldeando os turistas e os barcos todos tomados quando resolvemos perguntar ao cara sentado atrás de nós com vísivel cara de local, Célio em segundos conhecia um cara que conhecia um cara e tinha o modus operandi de um traficante, em minutos um sujeito atarracado em bermudas verde-limão chegou, Carlinhos era dono de um barco e poderia nos atravessar, o cara era monossilábico e respondia nossas perguntas com sim, não e um ocasional talvez\ grunhido gutural que significava alguma coisa contra a sua vontade. Barco para travessia, ok, faltava a tal da lancha de aluminío que usaríamos para nos deslocar durante a estada aos pontos de pesca.
Aí, a coisa desandou.
Corremos cidade abaixo, olhamos em garagens,falamos com tipos variados, e nada da maldita lancha, meu reino por uma droga de uma lancha.
Mais umas tentativas e decidimos tentar uma pousada para pescadores da qual Akio ouviu falar, Clodo e Rose era o nome e ficava na estrada às margens do braço de mar que divide Ilha e Cananéia, com tudo mais perdido fomos ao tal lugar chegando meio que por instinto. Akio, no carro, ainda inebriado pela cerveja, fazia piadas, ria, não se importando com nosso silêncio sepulcral e leve toques de mau-humor instilados por noites sem dormir (era dia 02 de Janeiro, haviámos bebido pelo ano todo) mas ao chegarmos fomos recepcionados por uma bem-humorada Rose em muletas e com a perna engessada - tem quarto ? tem. Tem isca ? tem. Tem café da manhã ? tem. E o melhor, baratinho.
Tratamos de descarregar nossas tralhas, ir comprar gasolina e enfim, lembramos de almoçar em um restaurante na entrada da cidade com estrutura familiar tipo garçom/gerente/caixa e um chef/cozinheiro/faxineiro/lavador de pratos que fez nossos pedidos dolorosamente a lá minute, cada prato, salada, arroz cozido à ordem... ...quase morremos de esperar mas a comida era ótima, minha parmegianna poderia ter menos queijo e alho, mas com as circunstâncias eu não iria me atrever a bancar o gourmet, tanto queijo que pensei que sentaria por três dias e digeriria a comida como uma jibóia o faz ao engolir um elefante (detalhe o calor que já beirava uns 36 graus). Meu estômago a essa altura já não sabia mais o que pensar.
Chegamos de volta eufóricos, carregamos o barco, pusemos o motor, fizemos as linhas das varas, e fomos os quatro pescadores solitários pela água por volta das 17:30hs. em busca do peixe perfeito.
O peixe perfeito se revelou em vários baiacus que se inflavam do tamanho de bolas de handebol ao serem obrigados a vomitar nossos anzóis, bagres que nos ameaçavam com seus espinhos e nada mais. Ficamos até o anoitecer e voltamos prometendo vingança no dia seguinte.
Ao voltarmos uma onda de otimismo tomou conta do grupo: banho em chuveiro e uma cama confortável para cada um de nós nos aguardavam ao invés das barracas de camping quentes e desconfortáveis que teríamos na ilha simplesmente cinco estrelas para idiotas como nós - tomei banho,peguei minha cerveja e fiquei esperando para ver se alguém iria à cidade comer pois agora estava no topo do mundo.
M. filho se compadeceu e topou ir a cidade em busca de jantar, como manda a minha sorte, ao pisarmos fora da pousada a chuva começou mas sem problema, queríamos apenas comida.
Ao chegarmos ao centro de Cananéia pudemos conferir que todos os milhares de malditos turistas da balsa haviam voltado e ocupado cada mesa de restaurante, lanchonete e bodega possíveis e agora a chuva havia se transformado em uma garoa espessa dev fazer inveja à São Paulo, nossos cabelos molharam, assim como nossas roupas, o gel escorria de meus cabelos entrando em meus olhos e agora passamos de topo do mundo para fundo do poço, andamos, andamos e nada, nem uma mesa, um balcão, nada. Lembrei de yum lugar simpático na entrada de Cananéia (a Avenida Principal eu acho) que tinha caras de quiosque e gente sentada em espaço coberto porém aberto. Já eram quase meia-noite.
Chegamos agora debaixo de uma chuva torrencial, descolamos uma mesa e sentamos, o lugar era pequeno e havia uma grande mesa ao centro com um grupo de turistas barulhentos, pedindo coisas a cada minuto e reclamando.
Quando se trabalha em restaurantes, nota-se como funciona e o que acontece à sua volta a cada instante e quando vi um senhor grisalho entrando apressadamente com três rolos de massa de pastel quase que os escondendo, percebi que os caras estavam em maus lençóis - a mesa grande brandia, gritava e reclamava pelos pastéis nunca despachados e aí percebi que tudo que era pedido estava sendo feito na unha ali dentro da cozinha. Perguntei a tão não-solícita garçonte em shorts jeans e sandálias sobre o tempo em que nossa porção de carne-seca levaria,ao passo que recebi "de quinze a vinte minutos" tentando ignorar as duas moças na mesa atrás que desabaram a rir ao ouvirem isso, isso nunca é um bom sinal.

Cronometrados vinte minutos, a garçonete volta e nos informa que a porção inexiste - contendo a vontade de enfiar um garfo na carótida dela, pedi a conta das bebidas e ela acabou nos oferecendo dois pastéis (cobrados) de carne-seca com queijo, ao qual comemos resignados enquanto meu colega quase caía de cara na mesa de sono.
Voltamos à pousada e nos preparamos para cair na cama e desmaiar, agora cansados de verdade teríamos a melhor noite de sono de nossas vidas.
"Porvinhas" é o popular para um micro-inseto hematófago que tem a capacidade de atravessar qualquer tela-mosquiteiro existente no mercado e aparentemente, elas nos acharam deliciosos - às duas, três, quatro da manhã estávamos todos acordados e se batendo por causa das milhares de malditas que estavam no quarto, onde lia-se "repelente" no frasco poderia muito bem ler-se "Tabasco" pois as malditas ignoravam o fedor do repelente que quase nos matava... ...o calor dentro do quarto era incrível, nunca soube bem o quanto de calor lajes poderiam acumular - todos estávamos incomodados exceto Maurício Pai que dormia como se estivesse em um hotel cinco estrelas no Tahiti (couro velho, dizia Akio) ouvia-se tapas, reclamações e palavrões à larga dentro do quarto e lá pelas cinco da matina, todas alimentadas resolveram nos dar uma trégua.
Seis e meia da manhã, M. Pai acorda consequentemente acordando todos nós, SEIS E MEIA ?? eu perguntava para ele enquanto ele sorria e sorvia o primeiro cigarro do dia, éramos agora, nós três, o retrato da dor com olheiras profundas, vermelhões e vergões que fariam qualquer vítima de tortura de Guantanamo parecer saído de um resort. Tomamos nosso café da manhã e montamos no maldito barco, cheios de esperança e vingança no olhar - vamos matar esses malditos peixes, alguém tem que pagar por isso.
Eis que em uma parada à beira de um delta para pescar, fomos atacados por mutucas e borrachudos, os peixes beliscavam suavemente apenas para nos roubar cada camarão vivo de 0,40 a unidade e nossos fregueses fiéis, sabendo que sairiam impunes (soltos na água) não se fizeram de rogados; Baiacus, bagres e agora Siris estavam se deliciando com camarões frescos antes destinados à Robalos e Corvinas que estavam ocupados demais para morrerem nas mãos de quatro turistas imbecis.
As iscas acabaram, os Baiacus engordaram e nadaram livres pelo mar, as costas doíam, o mormaço do mar estalando minha já quase insolação recém-adquirida e vamos voltar para a pousada, vamos voltar para casa, nossas almas já detroçadas não aguentavam mais tanta decepção. Ponto alto para o jantar às cinco e meia, pescada em filés frita, crocante por fora e suculenta por dentro e arroz com o feijão mais delicioso que comi em décadas (só não contaram onde conseguiram as pescadas e ninguém se atreveu a perguntar, era muita humilhação) e pé-na-estrada para casa, Rose perguntou se iríamos voltar, a esta altura, esse tipo de pergunto eu responderia com um sonoro não seguido de dois chutes na virilha, naquele momento, eu não faria aquilo de novo nem se minha vida dependesse disso.

No carro, já estávamos todos quietos, cochilando, e conversando sobre o que fazer na próxima...

...e vai ter uma próxima, pois, todos os anos são assim - voltamos cansados, irritados e algumas centenas de reais mais pobres mas... ...sempre pensando no próximo ano.

E eu, adoro uma roubada.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

HAHAHAHAHAH...muito bommmmmmm.....Isso parece ao sertão, horrivel no final mas no proximo ano não pode faltar.....hahahahaha...que mal tem, afinal só uma vez por ano....hahahahahaha....

 
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