terça-feira, janeiro 31, 2006

Meus fatídicos últimos momentos.

Tive uma visão, uma imagem na minha cabeça que criei para definir esse momento hipotético do qual fantasiei por muito tempo;

Estarei atravessando uma rua qualquer, Sol raiando, um dia lindo e memorável de Verão e estarei distraído tentando abrir a embalagem de meu fruttare de uva quando avistarei ele vindo : grande, imponente, a sombra se aproximando de mim tao rapidamente que mal pude perceber sua chegada...
...ele, por qual esperei minha vida inteira (e pensar que neste momento estou usando apenas havaianas pretas, short jeans e camiseta do Pearl Jam)e quem me conhece há muito tempo vai reconhecer na hora de quem estou falando - O Danúbio Azul, o símbolo da mercedes já meio gasto pelo tempo e pelos milhares de insetos esmagados e ressecados, o azul marinho sobre branco inconfundível, o letreiro escrito "ESPECIAL" em cima e aquela placa rebuscada a pincel atômico em cima do painel, grudada a durex diz "Aparecida do Norte" em letras tortas verde-abacate escuro, o chiado dos freios, a cara de pânico do motorista com seus óculos escuros enormes e braços esticados grudados ao volante, a camisa azul desbotada de praxe, as malas dos passageiros caindo dos compartimentos acima dos bancos e as duas senhoras de idade no primeiro banco tapando os olhos e rebuscando o que parece os primeiros acordes de uma prece - tudo isso distorcido pelo calor do asfalto pelando e do radiador.
Estarei lá, como uma rã no meio do asfalto hipnotizada pelo brilho dos faróis de um carro apenas aguardando seus momentos finais e tentando avaliar o que seria tudo aquilo, mas agora é tarde demais.
Tenho consciência de que serão meus últimos momentos e muitas coisas se passam pela minha mente, tudo muito rápido claro, mas os saldos e balanços estão todos ali, uma longa e extensa conta aparecerá e verei o saldo.

Não tenho muitos arrependimentos, tenho mais arrependimento do que não fiz na verdade; falar o que quero a quem quero, comer tudo que foi posto à minha frente sem cerimônia, beber aquela cachaça de aparência sinistra em um pote de azeitona em cima do balcão, ter tomado aquele ecstasy no show, ter traçado aquela gracinha do restaurante, visitar lugares exóticos, ir a lugares que pessoas decentes não entrariam, sacanear um amigo mal-vestido, chutar um pombo do meu caminho, pular de bungy-jump, porque não mandei ele tomar no cú, porque não ... ...disso, não levarei arrependimento algum, está tudo lá documentado em minhas memórias finais junto com meus pequenos orgulhos como nunca ter experimentado muitas substâncias ilegais e nunca usar nada regularmente, recomeçar minha vida constantemente ainda que sem muito sucesso, aprender novas profissões, me mandar do Brasil e saber o que é ser estrangeiro, ferrar impiedosamente alguns que me ferraram, ajudar umas poucas pessoas no caminho.
Tenho meus pecados também - quem não tem ?
Negligenciar família e amigos por algum prazer novo ? Não tive problemas. Fazer alguma coisa estúpida e impensada extremamente bêbado ? E quem pensa numa hora dessas ? Cometer atrocidades contra patrimônio alheio ? Check. Dizer em voz alta que acha a igreja um saco ? Perdi a conta. Amarrar um kitchenhand com silvertape e deixar por uma hora imóvel ? Hilariante. Dar aquele chutinho que falta para aquele amigo bêbado cair da banqueta e se esborrachar no chão ? valeu a pena.

Nesse momento, terei um leve momento de consciência e ouço o paramédico dizer "Esse aí já se fu..." enquanto desgruda o logo da mercedes do meu peito com uma espátula para o outro aplicar os eletrochoques, vejo o céu azulzinho, fecho meus olhos para novamente tentar encontrar o saldo - família, amigos, tudo valeu a pena, talvez eu não tenha sido tão ingrato assim tantas vezes, o quanto não faria por eles ainda ?
Os paramédicos estão se levantando, aquele está pondo o logo no bolso (pra quê meu Deus ?) e se vão.

mas o que me deixa realmente puto :

Não pude chupar a droga do picolé.

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