quarta-feira, outubro 21, 2009

Anatomia da Cozinha.


Sempre quis ser um médico - cirurgião.

Cortar, emendar, desvendar os males que afligem as pessoas sempre foi fascinante para mim, mas esse sonho foi literalmente esmagado quando minha mãe disse que eu era (e sou) muito distraído e atrapalhado para isso (e que, se quisesse, teria que bancar sozinho a empreitada seis anos de faculdade mais moradia, custos, etc...) mas enfim, ter virado cozinheiro deve ter a ver com usar um jaleco branco, porém o jaleco é uma doma e o hospital uma cozinha cheia de gente, calor, umidade e gritaria deixando apenas na coincidência os gritos de dor e agonia da equipe ao invés dos gritos dos pacientes do PS. Eu seria um grande médico.

Mas o destino assim quis e eu virei um cozinheiro - meus pacientes são cenouras e zucchinis que estão à espera de um futuro breve e melhor, se tornarem algo extraordinário em minhas mãos, somos cirurgiões plásticos de verduras, legumes, tudo que cresce ao Sol da face da terra pode ser transformado por nossas facas, mãos e mentes em algo extraodinário, fora do comum, carnes assumem outras personalidades porém mantendo as características que fazem dela, ela mesma (e esse não é o primordial em um cirurgião plástico ?) e os clientes são como as famílias dos pacientes - eles esperam um transplante de coração e é isso que querem receber, se o paciente vai sair do hospital direto para uma maratona, tanto melhor, se surpreenderam mas eles esperam um coração e pronto. Assim é com a comida que produzimos, deve ter o resultado que esperamos e se conseguirmos surpreender, é o extra que pudemos oferecer no tempo e condições que temos.

O tempo aliás, é também comparável entre eles e nós, se não operarem precisamente naquela janela de tempo que possuem, o paciente morre e se nós não acertarmos na primeira o paciente ( a comida) morrem e tudo que você pode fazer é acertar na próxima ou mandar o paciente para sua família com sequelas (ele ainda está vivo, mas com um resultado abaixo do esperado) então o trabalho de precisão está lá e a pressão é diferente porém, presente, suamos, rezamos, esperamos pelo pior para obter o melhor. E quando criamos algo totalmente novo, a comida só poderia ter uma bunda para podermos dar um tapa,é igual a realizar um parto - queremos logo mostrar a criança à família para que possam fazer uma grande festa e comemorar, ser o pediatra dela e vê-la crescer e ficar mais e mais alguém com uma personalidade própria. Alguns desses bebês criados pelos chefs não só cresceram, mas nunca morreram, mudaram de personalidade, amadureceram, mas estão lá vivinhos e saudáveis através da eras.
O Diretor do hospital geralmente é um cirurgião excelente, assim como o chef de uma cozinha que tenta alocar sua equipe e ter o mínimo de perdas possíveis a qualquer custo, são horas longas e duras de trabalho para a equipe com muita frustração, pouca vida pessoal e muita, muita expectativa de que dias melhores virão enquanto se assiste ao pior, um paradoxo curioso para ambas as profissões - um otimismo necessário para se sobreviver nestas indústrias.
O blog tem este nome porque eu sempre comparei as duas profissões, temos nossas maletas com instrumentos afiados, curvos e curiosos, estamos sempre correndo como se o mundo fosse acabar e disputamos a tapas uma cirurgia interessante, um evento gastronômico ou a simples possibilidade de executar algo inovativo, diferente e com resultado surpreendente, que leve menos tempo, que satisfaça as necessidades básicas e imediatas de nossos clientes. Somos Deuses dentro de nossas Domas e Jalecos, enquanto passamos as pessoas nos olham com curiosidade, admiração ou profundo desprezo, ódio por termos deixado alguém morrer - seja um ente querido, seja aquele prato que tanto desejava, ansiava salivando na mesa de antecipação.

A única diferença (grande) é que no final das contas, após anos e anos fazendo suturas e curativos antes de operar, descancando kilos e kilos de cabolas, cenouras e batatas antes da Lagosta, o que nos resta depois é saber que enquanto o médico é festejado pelas pessoas e vai receber um pomposo cheque no final do mês, a maioria dos chefs sua a camisa para pagar o aluguel. Não importa quantas Lagostas tenha salvado da mediocridade.
A única vida que um chef salva, ultimamente é sua própria.

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