domingo, junho 26, 2005

Universos Paralelos

Um acorda do outro lado do mundo (ja sao 13:00, trabalhar a noite eh um saco por causa disso, os dias se vao sem que se perceba) e olha pela janela,que saco !! ta nevando de novo, sera uma caminhada fria de 2,5kms ate o restaurante - cozinhar, lavar, correr e voltar pra casa no frio definitavemente nao eh o que sonhou da vida, espera aquela oportunidade unica, aquela que vai salvar tudo e todos, todos os anos de estudo, o investimento tera que compensar um dia.
O outro acorda em Sao Paulo, olha pela janela e ve o Sol brilhando (ardendo ate) e pensa, saco, aquele onibus vai estar uma sauna e a cozinha entao... ..melhor nem pensar - "os bacana" vao estar la sentados esperando a comida sair rapido e vai dar problema, com o calor todos querem dar uma banda pela rua antes de ir para casa, meus Deus quando eh que vai pintar uma oportunidade legal ? Ta mais do que na hora de comprar um carro, uma casa, sair do aluguel e ter mais tempo e dinheiro para estudar e conseguir vencer, ser alguem. Vencer quem ? Para de pensar a encontrar mais perguntas.
Apesar do calor, prepara o cafe preto para acordar e pega o pao de ontem roubado do restaurante (e quem tem tempo de fazer mercado com esses horarios ? a roupa suja ja esta um monte tambem, mas como esta sempre de uniforme ignora) e passa a manteiga resignado - poxa, mas quanto custara uma caixa de Sucrilhos ?
"Cinco dolares", pensa o outro, mais umas tres caixas de leite ate comer toda o cereal da caixa (e o leite sempre estraga antes que ele use, nunca esta em casa) e pensa que tem gente que faz o mercado da semana com esse dinheiro no Brasil, pega o pao-de-forma passa manteiga e poe na frigideira, pensa que ainda vive igualzinho ao Brasil, pao com manteiga e cafe preto de cafe-da-manha, so que o dele nunca fica igual ao da Padaria da esquina do apartamento que vivia em Sao Paulo.
Onibus lotado, 32 graus em Junho, quem eh que iria adivinhar ? Suando aos cantaros ele entra e nao tem lugar para sentar, ate a Zona Sul vai levar uma hora e meia se tiver sorte e com certeza ele so vai conseguir pegar um lugar para sentar perto da ultima estacao, conta os vale-transporte e percebe que vai ficar sem antes do fim do mes e antes que perceba avista dois policiais entrando no onibus e olha ao redor, 70% dos passageiros sao negros ou mesticos como ele, entao nao corre risco de ser abordado pois eh so mais um ao meio de pelo menos umas 35 pessoas. Eh um saco quando o onibus esta vazio na volta e ele encontra a policia - quando nao te abordam, ficam te encarando para ver sua reacao e ele nao gosta disso principamente por ser muito timido tambem.
O outro entra na cidade caminhando e percebe que quando entra no mercadinho para comprar chicletes eh tratado como todos os outros na fila e se mistura entre os locais, eh lourinho e branquinho assim como todos eles, ninguem desconfia que eh brasileiro e se desconfiam (ou sabem) fica aquele clima tenso de vez em quando, ficam te olhando enquanto vc percorre as prateleiras procurando o que precisa a um preco barato, nisso brasileiro nao muda nunca; basta entrar em um mercado que a calculadora mental trabalha, mas quando a policia te para e pede a carta de motorista (e veem que eh do Brasil) sao horas checando, falando pelo radio... ...o cartao do banco esta sem grana e a venda sai como nao aprovada, a balconista ja te olha e agora eu tenho que falar alguma coisa, ela percebe o sotaque e faz uma cara de "tinha que ser".
Ele (do Brasil) agora chega no trabalho e o encarregado da cozinha reclama do atraso, passa sem nem olhar para ele e vai por o uniforme encardido (o restaurante so compra um para cada empregado, nao tem como manter limpo)e volta direto para a cozinha carregar as caixas de verduras, farinha e oleo para guardar nos estoques - na verdade nao cozinha, eh assistente Senior (palavra adicionada para designar um assistente que ha cinco anos nao conseguiu nada alem de.. ..assistir) mas pensa nos amigos que estao ha meses procurando emprego, e naquele que ate deve uma grana pra ele mas sabe que tao cedo ele nao vai poder pagar; cara feliz entao, podia ser muito pior.
Ele (o outro)entra no trabalho e percebe um resmungo do chefe da cozinha que nem se da ao trabalho de traduzir, poe o uniforme e vai carregar caixas e caixas para o deposito antes de comecar a preparar todas as coisas que o chef nao quer e nao vai, esta cansado de ser tratado como empregadinho mas este eh apenas um mau dia, nem sempre eh chato assim, mas hoje, especialmente sente uma certa irritacao e quer que o mundo saiba disso, quer ser sim uma vitima das circunstancias com todas as implicacoes que isso traz. Fazem mais de um ano que trabalha lah, e ainda tem que engolir esses servicinhos de merda.
Em ambos os lugares, os restaurantes abrem e em ambos a correria se instaura - em meio a milhares de coisas a fazer ao mesmo tempo suas cabecas vagam a tempos felizes, quando se faz um trabalho mecanico desses sobra mais tempo para se pensar na vida e geralmente lembrancas randomicas surgem sem a menor explicacao, os amigos que nunca mais viu, e a correria comeca a aparecer em um quadro-a-quadro lento e silencioso enquanto ambos estao parados com os olhos vidrados em algum ponto perdido da cozinha. Alguem fala, e eles sao abruptamente trazidos de volta a realidade e um quase profundo pensamento se perde para sempre. A noite transcorre e tudo que ouvem sao os gritos do staff, as sonoras risadas do lado de fora da cozinha de senhoras que tomaram umas doses de vinho a mais e a maquina de lavar louca chiando no ciclo de enxague.
Quando tudo termina, calmamente ambos se trocam e vao tomar uma cerveja com os colegas, o brasuca se diverte e faz umas piadas e o "gringo" so pensa em quanto esses gringos nao sabem se divertir.
Chegam em casa de madrugada, tomam banho e vao assistir um pouco de TV ate baixar a adrenalina e poderem dormir, sonhar, passar um tempo fora da vida real por umas horas.
Quando vao para a cama, olham para o teto e pensam como a vida poderia ser, um se acha menos do que deveria, o outro se acha mais do que realmente eh e ambos estao divagando em como teria sido a vida - um pensa que se tivesse ido a Holanda com o primo, estaria numa boa a essas horas e se acha um bundao por ter desistido antes mesmo de tentar e o outro pensa que se talvez, tivesse ficado e insistido mais um pouco teria hoje seu escritorio no Brasil, com seus diplomas pendurados e um belo carro no estacionamento mas se acha um covarde por ter pulado fora antes de tentar.
Nao sabem, mas eles ja se cruzaram um dia, na mesma calcada a noite em Sao Paulo e tiveram medo um do outro, um achou o outro perigoso e o outro pensou na estranheza daquele cara estar andando sozinho na rua aquela hora (naquele lugar) e ficou desconfiado.

A diferenca entre os dois ? Geografica.

2 comentários:

Anônimo disse...

To falando que vc escreve 1000 vz melhor do que....Esse post foi da hora mesmo, vou fazer uma coluna sua no meu blog, tipo "Memorias de um Brasileiro na New Zealand", ai publico suas historias...Que Achas, escolhe ai um titulo para o nome....
Abraços....

Ricardo Pili disse...

Esse texto eu escrevi baseado no "teatro dos Vampiros" do Legiao Urbana, e no final, ao revisar ele me levou as lagrimas - nem percebo quanta injustica nos vivemos as vezes, nao que eu esteja sendo injusticado mas a injustica de julgarmos e sermos julgados por tantas coisas fora do nosso controle...
Espero que as pessoas acordem para isso.

 
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